Filme que pode dar Oscar 2024 de melhor atriz para Annette Bening finalmente chega à Netflix Liz Parkinson / Netflix

Filme que pode dar Oscar 2024 de melhor atriz para Annette Bening finalmente chega à Netflix

Nadar contra a corrente não chega a ser um eufemismo para Diana Nyad, a atleta biografada com um misto de segredos meio vexatórios e orgulho extensivo a toda humanidade por Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin. Muito mais que uma biografia, “Nyad” é uma profissão de fé no gênero humano, em sua determinação, em seu poder de avançar diante de perigos que sabe devastadores, mortais, e chegar à outra banda sofrendo de dores que ninguém jamais imaginou serem possíveis, lacerado, mas vivo, pronto para contar sua história e servir de inspiração a quem creia que a vida é mesmo uma nau sem casco em que se navega com a força dos próprios membros, braços e pernas quiçá especialmente talhados pela natureza para tal, deixando o resto da população mundial numa desvantagem até risível. Em 2018, Chin e Vasarhelyi já haviam se lançado, com ousadia ainda maior, numa história parecida. Com “Free Solo”, vencedor do Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem de 2019, os diretores se atiraram sem rede de proteção sobre a vida e a carreira do alpinista Alex Honnold, famoso por escalar penhascos sem o uso de equipamentos de segurança. Agora, os dois replicam na ficção o desejo de continuar mostrando essas faces entre luminosas e tétricas de espíritos banhados em ferro, opondo-se com bravura à ferrugem do mar violento da existência. 

Em 2013, aos 64 anos, Nyad resolveu que era o momento de revisitar o sonho de mais de três décadas. A nova-iorquina já havia tentado atravessar os177 quilômetros que separam Key West, na Flórida, de Cuba, mas acabou se resignando com façanhas mais “modestas”, como contornar a ilha de Manhattan, em 1975,ou superar os 164 quilômetros de Bimini, nas Bahamas, à costa da Flórida em 27 horas e meia, recorde do nado em distância águas abertas. Se quisesse mesmo levar adiante a nova deliciosa insanidade, teria de assumir uma pequena revolução em sua rotina. Chin e Vasarhelyi burilam o roteiro de Julia Cox de modo a marcar a metamorfose da esportista, de dentro para fora, e nisso Annette Bening é uma peça impressionantemente eficaz. Já entrada em anos, Nyad sabia que teria de mudar seu status de atleta preparada, mas eventual, para uma maratonista à prova de cansaço e de erros que poderiam encerrar não sua aventura, mas a própria vida; nessa altura da jornada, a acode Bonnie Stoll, a melhor amiga e a única capaz de entendê-la e ajudá-la a em suas pretensões, um tanto megalômanas, sem dúvida, mas nunca vazias. Trabalhando muito menos do que seu talento a autorizaria, Jodie Foster vai muito além do papel de coadjuvante, levantando a bola para os delírios de grandeza da personagem de Bening e cortando sua onda ególatra quando necessário — isto é, quase sempre. Os diretores tiram o melhor de Foster, que, além de nunca se esfalfar, dá um jeito de realçar a aura romântica de “Nyad”, em todos os sentidos. Namoradas no passado, também esse aspecto do filme vem a calhar, de uma maneira orgânica, sem maneirismos ou catequeses. A cena em que Stoll aceita voltar a ser a treinadora de Nyad, casada com o produtor de televisão Bart Springtime, depois de uma conversa num veleiro, é nada menos que comovente. Prova de um amor eterno, ainda que não mais carnal.

Chin e Vasarhelyi arranham as lembranças íntimas de Nyad, do pai autoritário e exigente, aos abusos sexuais nas mãos de um treinador

renomado na juventude, mas se concentra mesmo é na garra da nadadora, como se determinada a exorcizar seus fantasmas num possível último ato suicida. Mas Diana Nyad não queria morrer: queria apenas enfrentar a correnteza antes que a maré subisse demais.


Filme: Nyad
Direção: Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin
Ano: 2023
Gêneros: Biografia/Drama
Nota: 9/10