Remake da obra-prima de John Carpenter chega à Netflix e vai te fazer ter calafrios por 103 minutos Divulgação / Universal Pictures

Remake da obra-prima de John Carpenter chega à Netflix e vai te fazer ter calafrios por 103 minutos

Em “O Enigma de Outro Mundo”, o holandês Matthijs van Heijningen Jr. renova o fôlego de um pesadelo que frequenta o imaginário coletivo ao longo do século 20, sem prejuízo de interpretações cada vez mais acuradas, cujo recorte vai se esmerando em recursos técnicos a fim de, pela forma, o espectador se rende também ao conteúdo. Vertido de “Who Goes There?” (“quem vai lá?”, em tradução literal), novela de ficção científica do escritor John W. Campbell Jr. (1910-1971) sob o pseudônimo de Don A. Stuart, o roteiro de Eric Heisserer conserva com primor a essência de desconforto, de inadequação, de repulsa do texto do americano, publicado pela primeira vez em agosto de 1938 na revista “Astounding Science Fiction”. Desde então, “Who Goes There?” já ganhou, além dessa, duas releituras para o cinema: “O Monstro do Ártico”(1951), levado à tela por Christian Nyby (1913-1993); e a dirigida por John Carpenter, sob o mesmo nome, de 1982.

A variante de Heijningen é um prelúdio do filme de Carpenter, onde o diretor esclarece de que forma os cientistas liderados pelo doutor Sander Halvorson interpretado por Ulrich Thomsen chegaram à ameaça que, se vai ver, é resistente a temperaturas que chegam com facilidade a sessenta graus negativos, duzentos metros abaixo do solo. Na primeira sequência, a imensidão das montanhas da Antártida no branco azulado que a fotografia de Michel Abramowicz faz contrastar com a farta luz natural, assusta bem menos que o cenário que vai predominando.

Kate Lloyd, a jovem paleontóloga americana vivida por Mary Elizabeth Winstead, passa o inverno de 1982 na companhia de cerca de outros vinte colegas, quase todos noruegueses e homens, e esse é o gancho de que o diretor se vale para encadear o debate de questões como misoginia e xenofobia, com muita sutileza, contrapondo os dois. Naturalmente, os personagens de Thomsen e Winstead a todo momento divergem a respeito dos rumos da pesquisa, e o júbilo pela descoberta dessa estrutura pluricelular, comemorada no pub em que a equipe costuma reunir-se depois do expediente — um episódio meio improvável na vida como ela é, mas útil aqui —, é eclipsado por Derek, de Adewale Akinnuoye-Agbaje, que escapa por pouco da fúria da Coisa, verbete que Campbell eternizou na história do cinema.

Não é difícil perceber que filmes como “O Enigma de Outro Mundo” são metáforas cheias de requinte acerca do medo do desconhecido que campeia junto à humanidade desde o princípio dos tempos, com referências ao comunismo quando da estreia do longa de Nyby e a aids, que começava a espalhar paranoia e a acirrar o preconceito nos anos 1980, momento em que o trabalho de Carpenter aparece. A grande iluminação de Heijningen é, como seus antecessores, estar atento ao que se passa no mundo neste insano século 21, sublinhando no corpo da história as minudências que tornam esta uma narrativa relevante. A simbiose entre o homo sapiens sapiens e formas de vida monstruosas esconde os velhos temores e as novas batalhas que se precisa encampar. Uma incógnita sem segredos deste mundo que nos rodeia.


Filme: O Enigma de Outro Mundo
Direção: Matthijs van Heijningen Jr.
Ano: 2011
Gêneros: Ficção científica/Mistério/Terror 
Nota: 8/10