Nenhum filme da Netflix vai te emocionar tanto: a mais bela e triste história de amor dos últimos 5 anos Mark Wu / Netflix

Nenhum filme da Netflix vai te emocionar tanto: a mais bela e triste história de amor dos últimos 5 anos

Nossas noções sobre o amor, frequentemente precisas e bem delineadas, são invariavelmente desconstruídas à medida que tentamos decifrar suas complexas dinâmicas. “Anna Karenina”, um clássico da literatura de Liev Tolstói, talvez represente a narrativa amorosa mais desoladora já escrita, ressoando em diversas adaptações cinematográficas de 1935 a 2012. A conturbada relação entre Anna, casada com o influente Alieksiéi Kariênin, e o Conde Vronsky, um oficial da cavalaria, choca a nobreza da Rússia imperial. Kariênin se recusa a conceder o divórcio e impede Anna de ver o filho, culminando em um desfecho trágico tanto para o casamento quanto para o romance ilícito.

O amor frequentemente carrega o prenúncio da tragédia; quando não culmina em desastre, é apenas pela força deste sentimento sublime que resiste aos impulsos mais primitivos. A convergência de duas existências distintas, como rios paralelos que eventualmente se encontram, aspira à harmonia eterna, embora raramente as coisas transcorram sem desvios. A beleza fugaz do amor é, paradoxalmente, sua eternidade efêmera, conforme Vinicius de Moraes explorou em seu “Soneto de Fidelidade”. Fernando Pessoa também ecoa esse paradoxo, descrevendo o amor como simultaneamente ridículo e fundamental.

No campo cinematográfico, os filmes asiáticos do século 21 continuam a fascinar globalmente com sua mescla única de contido desapego e intensa dramaticidade. Figuras como Wong Kar-Wai e Akira Kurosawa pavimentaram caminhos através da resistência cultural, alcançando um status emblemático na indústria por revelar a grandiosidade nas narrativas aparentemente simples, capazes de provocar epifanias universais.

A incompreensão que segue um amor desfeito é frequentemente mais dolorosa do que o próprio término. “Pérolas no Mar”, dirigido por René Liu em 2018, desdobra-se em uma narrativa multifacetada sobre a delicadeza autêntica das relações. Jian-qing e Xiao-xiao descobrem uma paixão mútua em uma viagem de trem, evoluindo de estranhos para íntimos ao longo de uma década. A história avança para um confronto emocional em um aeroporto, onde se questionam sobre o esmorecimento daquela paixão inicial.

Nelson Rodrigues, renomado por suas observações acerbas sobre as relações humanas, sempre pontuou que o amor autêntico supera as trivialidades materialistas, embora estas possam oferecer um paliativo temporário. A visão cínica de Rodrigues reflete um desencanto similar ao expresso por G.K. Chesterton, que criticava as convenções amorosas contemporâneas por sua superficialidade.

Na história de Jian-qing e Xiao-xiao, o amor enfrenta a realidade brutal da vida cotidiana. Jian-qing, um estudante de programação, cria um jogo inspirado pela ausência colorida de Xiao-xiao, enquanto ela, menos privilegiada academicamente, aspira a uma estabilidade financeira que possa oferecer algum conforto. Liu habilmente subverte clichês românticos, mostrando como uma mulher pode ser tanto musa quanto crítica de sua própria narrativa, refletindo o pensamento de escritoras como Clarice Lispector e Rachel de Queiroz, que reivindicavam a autenticidade feminina além dos papéis tradicionais.

A metáfora do metrô como um meio de partida, não apenas físico mas emocional, continua a ser um poderoso recurso narrativo no cinema, exemplificado em filmes como “Um Homem de Sorte”  e “Me Chame pelo seu Nome”. Essa imagem encapsula o sentimento de perda e separação, uma cena frequentemente revisitada para evocar a transitoriedade das relações humanas. A vida, como bem entendido por personagens como os de René Liu, raramente se curva às nossas expectativas, desafiando-nos a aceitar suas imprevisibilidades com a mesma inevitabilidade com que os rios encontram o mar.

Jian-qing e Xiao-xiao poderiam ter seguido juntos se as circunstâncias permitissem, mas a realidade impõe escolhas difíceis. A narrativa de sua separação no metrô, enquanto ele a deixa com um último gesto de cuidado —  a oferta de um prato de macarrão instantâneo —  simboliza a resignação a uma vida de “ses” não realizados e sonhos adiados. No fim, as decisões que tomamos, guiadas tanto pela necessidade quanto pelo afeto, moldam nossos destinos de maneiras que apenas o tempo pode revelar. Esse é o tecido do qual as histórias humanas são feitas, entrelaçadas com as escolhas que fazemos e as que deixamos para trás, cada uma um fio na vasta tapeçaria das experiências que definem quem somos e quem poderíamos ter sido.


Filme: Pérolas no Mar
Direção: Matt Palmer
Ano: 2018
Gêneros: René Liu
Nota: 10/10