Baseado em livro que emplacou primeiro lugar na lista de best-sellers do New York Times, suspense com Johnny Depp está na Netflix Divulgação / Orly Films

Baseado em livro que emplacou primeiro lugar na lista de best-sellers do New York Times, suspense com Johnny Depp está na Netflix

Livros geram questionamentos que conduzem a mudanças de perspectiva sobre assuntos os mais diversos, os mesmos que quase sempre desatinam a humanidade desde o princípio dos tempos. Cada livro encerra uma pletora de mistérios, e a partir de cada mistério surge um cosmo dotado de suas próprias regras, nas quais os homens se enfronham a fim de alcançar conclusões ora edificantes, ora ignominiosas — e sem dúvida perturbadoras, num e noutro caso — acerca de sua própria natureza. Os segredos de “O Último Portal” são quase indecifráveis, mas quem seria a pessoa mais indicada para desatar os nós da transcendência, genuína ou de fachada, senão Roman Polanski, um dos maiores especialistas em ilusões do cinema? A adaptação de Polanski para “O Clube Dumas” (1993), o folhetim medievalista do espanhol Arturo Pérez-Reverte, segue uma cadência narrativa eminentemente literária, preservando os tantos detalhes do enredo, fazendo com que o espectador lembre-se de que está diante de um filme graças ao emprego de imagens poderosas, por seu turno concorrendo para uma história marcada pela surpresa.

Um homem velho faz anotações numa biblioteca faustosa, levanta-se, dá alguns passos, sobe num banco e no teto, pendurada junto ao lustre, está a corda com que pretende encerrar seus dias. Esse introito desnorteante na precisão de sua mensagem fatalista serve de aviso para tudo o mais que acontece, a começar da onipresença de um anti-herói despudorado e amoral, profundo conhecedor da influência dos enigmas no cotidiano do homem — e sobretudo de certos homens. O tique-taque do relógio não para, e pouco depois da longa abertura, o roteiro do diretor, Enrique Urbizu e John Brownjohn mostra Dean Corso, um negociante de livros raros, analisando tudo quanto pode da coleção do desditoso bibliófilo, que sobreviveu graças à frouxidão do candelabro, que amenizou a pressão da talinga naquele pescoço ossudo. Corso está particularmente empenhado em adquirir o maior número de exemplares ao menor preço que conseguir, valendo-se de sua astúcia sem limite, da mudez do velho e, claro, da ignorância de seus parentes. Johnny Depp aparece num amálgama de cinismo e autoironia, destacando o caráter de tesouro perdido de um volume sob o estranhíssimo título de “Hypnerotomachia de Poliphili”, ou “Batalha de Amor em Sonho de Polifilo”, possivelmente escrito por Francesco Colonna (1433-1527) e publicado em Veneza no ano de 1499. Malgrado este seja realmente um dos obscuros eixos em torno dos quais gira a trama, Polanski recorre à pena de Pérez-Reverte na intenção de embaralhar de vez qualquer suposto bom palpite da audiência quanto a prever o interesse de Corso e para onde ele vai. Então surge Boris Balkan, o demonólogo vivido por Frank Langella, figura com quem Corso disputa a legitimidade sobre a publicação, sobretudo no desfecho, quando uma minudência numa gravura confirma a merecida hegemonia do personagem de Depp sobre Balkan.

A insistência no sobrenatural é ratificada pela vamp que ronda Corso nas circunstâncias mais inauditas, e não demora a restar patente que a moça é na verdade uma entidade fantástica saída das páginas da ficção para o plano da matéria, sempre a postos para seduzi-lo. Interpretada por Emmanuelle Seigner, mulher de Polanski na vida real, a linda bruxa é quem define a sorte desse homem encurralado pelo dom perverso com que ganha a vida, atônito com a hipocrisia de um sistema de que é apenas uma das peças mais azeitadas.


Filme: O Último Portal
Direção: Roman Polanski
Ano: 1999
Gêneros: Thriller/Suspense
Nota: 8/10