Filme que acaba de chegar na Netflix é uma adorável declaração de amor ao cinema Divulgação / Netflix

Filme que acaba de chegar na Netflix é uma adorável declaração de amor ao cinema

Querendo-se ou não, o tempo passa e quanto antes se admita que há momentos que se vivem uma única vez, por mais inesquecíveis que sejam, menor a chance de ser presa da desilusão, da melancolia, do autoengano. A humanidade já viu tempos muito melhores em quase todas as áreas, da política ao jornalismo, passando, claro, pelo processamento de uma e do outro, em separado e juntos, para não falar nas manifestações culturais e artísticas, e é aí que a força de “Era uma Vez uma Estrela” se impõe.

A história de uma trupe itinerante que viaja à Tailândia dos anos 1960 promovendo beberagens e fortificantes em sessões de filmes estrangeiros em aldeias como que esquecidas pelas autoridades vai se investindo da natureza épica que o diretor Nonzee Nimibutr decerto esperava, mas sem renunciar ao caráter lírico do enredo, com suas tantas referências a personagens que fizeram da vida seu palco mais resplandecente, a despeito de qualquer barreira física. O roteiro de Ek Iemchuen faz uma imersão comovente nas trajetórias de artistas devotados, remetendo à história do cinema tailandês e sua relevância na integração do país.

Dedos de unhas vermelhas muito bem-manicuradas batem um texto à máquina de escrever, pedindo que seu interlocutor descubra o que ama. Enquanto ela continua seu trabalho, um velho utilitário laranja desloca-se a toda velocidade por um campo verde, transportando a equipe contratada para levar a termo a campanha de uma linha de produtos farmacêuticos, o que fazem com um sorriso no rosto — mesmo quando o público se exaspera com se a projeção é interrompida para que se divulguem xaropes para gripe e elixires para prisão de ventre. A diversão recomeça, mas volta a parar a seguir, porque o projetor superaquece e o negativo queima, mas o show não para.

Nessas primeiras sequências de “Era uma Vez uma Estrela”, já fica patente o vigor da mensagem encampada por Nimibutr, até meio tediosa de tão nítida. Kao, o chefe interpretado por Sukollawat Kanarot, muda a estratégia comercial, mas não adianta: a empresa quer suspender o projeto, embora as dublagens dos atores chineses e sul-coreanos que elabora para os personagens dos longas que exibe sejam um sucesso. Kanarot aos poucos ocupa boa parte do conflito, em especial depois que se dá conta de que sua debacle profissional inspira-lhe uma cornucópia de problemas de saúde, a começar por uma renitente dor de barriga de fundo emocional, o que, felizmente, não provoca nenhum grande estrago no rendimento dramático.

Há margem para um romance entre Kao e Kae, a personagem de Nuengthida Sophon, dona das mãos expostas na abertura; contudo, o diretor prefere conduzir a história para uma astuta crônica de costumes, em que insinua que nunca mais hão de serem realizados filmes como os protagonizados por Mitr Chaibancha (1934-1970), morto em cena a 8 de outubro de 1970, aos 36 anos, quando tentava uma acrobacia pulando de um helicóptero em movimento. Imagens do funeral de Chaibancha, com um mar de gente enlutada, fundem-se aos registros com Kao e Kae em meio à multidão, como se o cinema não fosse ser o mesmo nunca mais. Para o bem e para o mal, foi exatamente o que se deu, e não só nas artes cinematográficas. Eis a grande metáfora aqui.


Filme: Era uma Vez uma Estrela
Direção: Nonzee Nimibutr
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Biografia
Nota: 8/10