O filme inspirador na Netflix que vai renovar suas esperanças e encher seu coração de ternura Divulgação / Planet 9 Productions

O filme inspirador na Netflix que vai renovar suas esperanças e encher seu coração de ternura

Em que medida a doença mental, mesmo desde sempre arraigada a um espírito doce, alija um indivíduo de sua própria existência, de tal maneira que não pode mais ser responsabilizado pelas escolhas que venha a fazer, das mais prosaicas às verdadeiramente decisivas? Até que ponto o completo alheamento do mundo interfere no poder que uma pessoa tem de distinguir o bem do mal, identificar seus aliados, cultivar-lhes afeto, saber que não precisa mais conservar-se tão isolado, tão só, tão infeliz? Alguém pode resolver, de uma hora para a outra, que ama um parente a despeito de mágoas que perduram por um tempo sobre o qual ninguém exerce domínio? Em “O Milagre de Tyson”, Kim Bass ensaia respostas para essas elucubrações, concentrando-se na imagem de um garoto encarcerado em si mesmo, mas que sente urgir o momento de provar que não é um pobre refém de funestas circunstâncias sobre as quais não tem culpa, por óbvio, mas que é perfeitamente capaz de manter sob controle. A partir de um roteiro leve, mas assertivo, a que a edição de Michael Purl confere a agilidade necessária, Bass quase nunca se deixa enveredar por caminhos fáceis, antes dominando o assunto para, com bastante tato, permitir-se elaborar conflitos paralelos.

“Quando o discípulo está pronto, o mestre vem. Quando o discípulo está pronto mesmo, o mestre vai”. Frases e insinuações como essas, do filósofo chinês Lao Tzu (480 a.C.-390 a.C.), dão ao trabalho do diretor-roteirista uma aura de livro de autoajuda, sem mas proselitismo, sem forçar ninguém a crer ou duvidar. A lousa no quarto de Tyson deixa claro que ele de fato precisa de um orientador mais eficiente e atualizado que sua mãe, que já não consegue acompanhar todas as modalidades de equações do dever de casa.

Tyson e Eleanor Hollerman, os personagens de Major Dodson e Amy Smart, ainda fazem uma boa dupla, mas é chegada a hora do garoto enfrentar o medo da realidade, do convívio com os outros adolescentes, sempre especialmente cruéis com seus pares, do julgamento indevido e nada edificante, da vida, enfim, se não quiser ficar para trás. Essa, a propósito, é uma metáfora bastante adequada ao que lhe reserva o destino, porém não agora. Até que sinta que está realmente preparado, Tyson se determina a enfrentar os medos que ainda não conhece, deixando que amadureça seu espírito de competidor.

Em paralelo, Bass separa alguns minutos a fim de decifrar os mistérios da relação do garoto, sua mãe e Bobby, o técnico da seleção universitária de futebol americano de Stanbridge, pai de Tyson, com o qual Eleanor mantém um casamento tumultuado. Poder-se-ia até dizer que o protagonista resgata essa necessidade de autoafirmação, perdida em algum meandro recôndito de seu espírito frágil, sequioso por matar o pai, no simbolismo freudiano, trágico, mas certeiro. Para isso, também carece de um guia — é aí que surge Aklilu, o ex-maratonista do somali Barkhad Abdi, cuja carreira vai merecidamente consolidando-se em Hollywood depois do desempenho simplesmente arrebatador em “Capitão Phillips” (2013), de Paul Greengrass. E ele, então, decola.


Filme: O Milagre de Tyson
Direção: Kim Bass
Ano: 2022
Gêneros: Drama
Nota: 8/10