Filme surpreendente do melhor cineasta turco da atualidade está na Netflix Divulgação / Netflix

Filme surpreendente do melhor cineasta turco da atualidade está na Netflix

A pandemia de covid-19 foi mesmo um grande baque para nós, vulneráveis homens e mulheres cada vez mais perdidos num mundo em que não nos reconhecemos e que não nos tem nenhum apreço. Ainda assim, houve — como sempre haverá — aqueles que tenham acusado o golpe com muito mais veemência, porque não tinha onde se amparar na falta de empregos precários, mantidos à custa de dias seguidos de trabalho sem descanso; não podia dar-se ao luxo de esperar pela caridade alheia; ou, simplesmente feneceu, vítima da negligência criminosa de quem os deveria proteger. Ayzek enquadra-se nas duas primeiras categorias (e quiçá escapara por pouco de integrar o terceiro grupo), e com base nessa informação, “Do Not Disturb” começa a explicar a vida triste desse personagem nada convencional. Cem Yilmaz torna a confirmar o pendor do cinema turco quanto a extrair de situações as mais comezinhas, a despeito da tragédia que encerram, uma fonte inexpugnável de absurdos, encadeando-se de modo a construir uma narrativa cujo sentido reside justamente na sobreposição de tramas independentes entre si, mas que juntas permitem compreensões reveladoras acerca do lado trevoso do espírito humano.

Ayzek, o personagem de Yilmaz, já contava bons anos como garçom nas balsas que cruzam o mares Negro, Mediterrâneo e Egeu, até que baixa a peste. As cenas de abertura registram alguma coisa de sua solidão, andando a esmo pelas ruas pacatas e escuras de uma cidade turística da Turquia. Aos cinquenta anos, faz dois que ele vive assim, tentando ser o herói da própria vida, mas padecendo de um tédio avassalador que se derrama sobre todas as coisas, e o estranhamento de máscaras, potes de álcool em gel onde quer que se olhe e gente paranoica diante da hipótese de contaminação por qualquer gesto um pouco mais expansivo. O roteiro do diretor aproveita a vocação escatológica do longa para falar de coaches como Perisozler, de Nilperi Sahinkaya, que amealham fortunas sobre a desilusão de gente como Ayzek ao passo que também menciona um certo anexim popular entre os turcos, sobre usar materiais asperos e cortantes para operações que exigem toda a delicadeza. Quando enfim arranja colocação num pulgueiro conhecido por hospedar turistas de baixa estirpe do mundo inteiro, forçado a envergar um ridículo paletó verde-bandeira e, mais importante, a tapar a boca para esconder a falta dos dentes, começa a desconfiar que talvez não tenha sido muito boa ideia aceitar o emprego.

Yilmaz não faz a menor questão de agradar, e em dadas ocasiões, a confusão é tamanha que fica difícil até para o espectador mais interessado captar onde exatamente o diretor-roteirista pretende chegar. Se, contudo, vai em frente, o público se depara com uma história estimulantemente vesana, refratária ao óbvio, sobre as misérias da humanidade em determinadas curvas do caminho tortuoso da vida. Sobretudo quando não se é mais jovem.


Filme: Do Not Disturb
Direção: Cem Yilmaz
Ano: 2013
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 8/10