A história mais impressionante da Netflix: vai tocar cada cantinho do seu coração Laura Radford / Netflix

A história mais impressionante da Netflix: vai tocar cada cantinho do seu coração

Imagine levar uma vida normal e tranquila em seu país e, de repente, se ver no meio de uma intensa e sangrenta guerra civil. Para muitas famílias sírias, esse contexto político e social chegou de forma devastadora e  assustadora. Para nós, que vivemos em um país do Ocidente pacífico como o Brasil e enfrentamos outros tipos de violência, não conseguimos imaginar a realidade dessas pessoas. Vemos apenas o que os noticiários mostram e temos uma visão bastante limitada dos fatos.

Em “As Nadadoras”, filme de 2022 dirigido por Sally El Hosaini e coescrito com Jack Thorne, conseguimos nos aproximar da realidade de duas irmãs adolescentes, Sara (Manal Issa) e Yusra Mardini (Nathalie Issa), que vivem com sua família em Damasco e sonham em competir natação nas Olimpíadas. Treinadas por seu pai Ezzat (Ali Suliman) durante toda sua vida e preparadas para ser competidoras internacionais, sua família é afetada pela grave crise política na Síria, que transformou os protestos contra o governo de Bashar al-Assad em uma guerra civil.

A verdadeira Yusra participou da produção do filme e atuou como consultora para assegurar a autenticidade da história. Hosaini, que apesar de ter nascido na Inglaterra viveu no Cairo até os 16 anos, quando retornou para a Europa, entende muito bem sobre se sentir um peixe fora da água e sobre ser uma muçulmana no mundo ocidental. Em “As Nadadoras”, a diretora consegue mostrar com competência a vida paradoxal levada pela família Mardini em Damasco.

Se nas transmissões de telejornais vemos imagens de um prédio bombardeado, no edifício ao lado a vida segue normalmente. Sara e Yusra são mostradas com seus amigos em uma festa em um terraço numa noite, no dia seguinte choram a morte de uma adolescente que conheciam. No ônibus, minutos depois de compartilharem fones de ouvido ao som de rap e postarem selfies nas redes sociais, um soldado entra no veículo para revistar os passageiros e apalpa os seios das duas irmãs, até que é interrompido por tiros vindos de cima dos prédios. Sempre que tentam seguir suas rotinas, a nova realidade violenta de seu país lhes joga um balde de água fria, lembrando que suas vidas estão em constante perigo.

Após uma amiga fugir para a Alemanha, Sara e Yusra decidem que também precisam partir. O problema é que Yusra ainda é menor de idade e necessita da autorização do pai, que a superprotege e não quer ver suas filhas como refugiadas. Após ser convencido de que é melhor correr perigo uma última vez para sair de seu país do que correr perigo todos os dias, Ezzat autoriza e dá dinheiro para que as meninas deixem a Síria.

Então, testemunhamos uma jornada inacreditavelmente real, vivida por milhares de refugiados todos os dias. Acompanhadas pelo primo Nizar (Ahmed Malek), elas voam até Istambul, onde fazem uma travessia perigosa e ilegal pelo mar Egeu até a ilha grega de Lesbos. A jornada em um bote inflável abarrotado com dezenas de outros refugiados é apenas o começo de uma trajetória degradante e extremamente arriscada até seu destino.

No meio do mar, o barco afunda e as irmãs, que são nadadoras profissionais, precisam ajudar outros passageiros mais vulneráveis a não se afogar. Mas a cruzada ainda exigirá mais de suas habilidades de sobrevivência, já que elas terão de fazer uma viagem perigosa de carro no meio da floresta, ficarem trancadas em um caminhão baú durante horas, serem expostas a homens violentos e depois mais longas horas dentro de um ônibus até finalmente chegarem em um campo de refugiados seguro em Berlim. A expedição do trio é desesperadora, mas vale a pena. É em Berlim que Yusra conhece o treinador Sven (Matthias Schweighöfer), que a prepara para tentar disputar as Olimpíadas do Rio de 2016.

A família Mardini é real, assim como sua tão empenhada jornada para fora do inferno no qual seu país se tornou e para dentro do sonho olímpico. Hosaini utilizou refugiados de verdade no filme, que passaram realmente por diversas daquelas situações, especialmente a travessia no mar. As gravações eram uma espécie de reconstituição das lembranças daquelas pessoas. Eles se prestaram a reviver seus traumas justamente pelo senso de responsabilidade em espalhar a mensagem e a vontade de compartilhar suas experiências para o mundo. Comunicar esses terrores é dizer que refugiados podem vir de qualquer parte do mundo. Qualquer pessoa pode se tornar um. Todos merecem ser tratados com respeito e humanidade.


Filme: As Nadadoras
Direção: Sally El Hosaini
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 8/10