Novo filme da Netflix: uma história de bravura e tragédia que vai te prender do início ao fim Divulgação / Netflix

Novo filme da Netflix: uma história de bravura e tragédia que vai te prender do início ao fim

Sonhos são passageiros, e, mesmo assim, como se inconscientemente sabotássemos nossa lucidez, sonhamos. Uma vida de glória pode ser apenas o desejo de se ter vencido um adversário monstruoso, tantas e tantas vezes maior e mais enraivecido que nós naqueles dias em que o desalento do mundo nos oprime a ponto de sentirmos que falta-nos o ar, e somente a noite vem em nosso auxílio, oferecendo-nos o refúgio para guerreiros de batalhas vãs. Com “O Vilarejo”, o japonês Michihito Fujii oferece uma pequena amostra do drama muito particular de um homem à luz de um espetáculo intimista, devastador no que tem de mística e revelação para pessoas simples que não dispõem de nada mais em que possam fiar-se, esperando obter respostas para suas questões mais intrincadas esdrúxulas por meio da força que seus ancestrais inspiram-lhe, manifestada num tablado rústico. Fujii vai transformando o conflito principal de seu filme numa espécie de peça de teatro nô, elemento de que lança mão ao longo de toda a história, aproveitando a sobriedade de movimentos precisos, suavizados pelo canto, a pantomima, a música e, por óbvio, a poesia, no intuito de frisar a urgente circunspecção do assunto que deslinda, uma tradição de setecentos anos que não perde a graça, pelo contrário: fica ainda mais vibrante cercada pela frieza árida da tecnologia.

Tudo em “O Vilarejo” é muito sutil. O diretor-roteirista nunca diz exatamente qual o eixo da trama até o início do segundo ato, quando tudo vem à superfície de uma vez. Ninguém se angústia, no entanto, dada a maneira perspicaz com que Fujii leva a história, toda costurada com registros de um Japão ancestral, sua modesta contribuição quanto a manter o interesse de novos públicos em ritos e artes que bruxuleiam como a chama de uma vela na madrugada de ventos furiosos. Depois de uma introdução minuciosa, em que se tem, afinal, um extenso panorama do que motiva o filme, o diretor volta a carga para o escatológico da narrativa, com uma montanha de lixo escorregando da caçamba de um caminhão. Kamon-mura, a aldeola inventada por Fujii, encravada no vale de imensas montanhas como o Wakakusa ou o Takao, está prestes a virar um aterro sanitário devido a suas generosas dimensões, à topografia como que esculpida pela natureza e, claro, ao isolamento. A partir dessa cornucópia de novas informações, o vilarejo é atirado numa peleja cruenta e insolúvel, com Masaru Maruoka, o prefeito vivido por Tetta Sugimoto, implicado num esquema irregular de descarte de lixo, coordenado por uma gangue de mafiosos violentos. Este é o gancho para que Fujii desnovele em paralelo a tragédia que vai pesando sobre o protagonista, o único a enxergar a iminência do desastre, cada vez mais perto.

Yuu Katayama, o mocinho de Ryūsei Yokohama, tenta salvar sua comunidade, porém só o que consegue é a aversão de gente que o viu nascer, ferida de morte pela lembrança de um episódio que talvez nunca possa ser superado. O povoado já esteve na mira da cobiça de políticos inescrupulosos que deveriam defendê-la, mas preferiram aliar-se a criminosos influentes, adoecendo seu povo, quadro em que o filme de Fujii assemelha-se a “A Vila” (2004), de M. Night Shyamalan, com a exposição do passado militante do pai de Yuu. Enquanto sua desdita restringe-se à esfera pública, ele leva sua cruz estoicamente; todavia, o cerco de Toru Ohashi, o jagunço interpretado por Wataru Ichinose, a sua irmã Misaki, de Haru Kuroki, o arrasta para o desespero e para o infortúnio, e também se cala, resigna-se, e partilha com todos o mesmo rosto de fantasma.


Filme: O Vilarejo
Direção: Michihito Fujii
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 8/10