Desligue o cérebro e embarque na risada: comédia da Netflix vai virar seu dia de cabeça para baixo Divulgação / Netflix

Desligue o cérebro e embarque na risada: comédia da Netflix vai virar seu dia de cabeça para baixo

Uma reflexão bem-humorada (e lúcida) sobre as dificuldades essenciais do homem num relacionamento amoroso, a maneira de lidar com cobranças novas e velhas quanto à masculinidade, a necessidade de ser bem-sucedido, no trabalho, na vida pessoal, diante do espelho e, o mais importante, sobre a cama, fantasma que persegue o macho da puberdade à missa de sétimo dia, para uns de forma mais doentia que para outros. É o que Éléonore Pourriat propõe com “Eu Não Sou Um Homem Fácil”, comédia romântica pautada pela fantasia em que homens experimentam o desafio de lidar com circunstâncias delicadas de que mulheres são obrigadas a se esquivar desde o princípio dos tempos, e o público feminino por seu turno é confrontado com a eterna necessidade de ser bem-sucedido, no trabalho, na vida pessoal, diante do espelho e, o mais importante, sobre a cama, fantasma que persegue o macho da puberdade à missa de sétimo dia, de forma mais nefasta para uns que para outros. É justamente por aí que a diretora fundamenta a história, com as tintas do exagero, mas sempre amparada pela sensatez.

Damien é um homem nitidamente atormentado. Vincent Elbaz transita com desassombro da tensão para um humor ora fino, ora rasgado, e responde com brilhantismo ao que o roteiro de Pourriat e Ariane Fert espera dele. Já na primeira sequência, depois que um garoto aceita voluntariamente usar o figurino de Branca de Neve para uma peça na escola e é espinafrado pelos colegas — e, o mais grave, pelos pais dos outros alunos e os professores —, entende-se muito da imaturidade desse cinquentão inseguro, cujos medos mais subterrâneos degringolam na urgência de constantemente afirmar e reafirmar sua virilidade, bengala retórica de que se vale para defender-se de ataques que ninguém jamais pretendera lhe fazer.

A seu talante, a diretora e sua corroteirista fazem ajustes pontuais no argumento central de arrasa-quarteirões hollywoodianos a exemplo de “Do Que as Mulheres Gostam” (2000), de Nancy Meyers, com o sinal trocado; como efeito da cena do menino que vive um linchamento moral em tenra idade por quem deveria acolhê-lo, surge o protagonista, estirado sobre um divã numa sessão de psicanálise, revelando o trauma que define sua vida e dela se apossa feito erva daninha num jardim malcuidado. Pouco depois, Damien e meia dúzia de outros publicitários, todos homens, estão numa sala em que ele apresenta o protótipo de um aplicativo de nome impublicável pensado para registrar quantas vezes o usuário faz sexo ao longo do ano, comparando as performances entre si e num grupo aleatório. Naturalmente, o ícone feminino só tem vez para sugerir possíveis novas vítimas, com orientações sobre como obter mais sucesso na próxima captura.

No segundo ato, Alexandra, o alter ego de Damien com o gênero oposto, chega com o propósito de dar o justo castigo ao machão, ao passo que Marie-Sophie Ferdane também é capaz de galvanizar os dilemas muito íntimos de sua personagem. O desfecho — leve, mas cheio de picardia, muito conveniente a uma comédia francesa — indica que o século 21 será ainda mais pródigo de batalhas na pré-histórica guerra dos sexos.


Filme: Eu Não Sou Um Homem Fácil
Direção:  Éléonore Pourriat
Ano: 2018
Gêneros: Comédia/Fantasia/Romance
Nota: 8/10