Aplaudido de pé nos cinemas, o filme mais bonito dos últimos 3 anos está na Netflix Divulgação / Diaphana Films

Aplaudido de pé nos cinemas, o filme mais bonito dos últimos 3 anos está na Netflix

O que resta a um indivíduo de grande capacidade e sucesso, que domina completamente suas escolhas e não hesita em satisfazer seus desejos mais primitivos e ocultos? Frequentemente, as pessoas não percebem o que está em jogo até que suas ilusões, que pareciam eternas, começam a desmoronar — uma série de trivialidades nas quais somos jogados, seja por divindade ou por acaso. 

Em certos momentos, o caminho da vida é percebido como excessivamente breve ou estreito demais para nos conter, e é nesse cenário que descobrimos novos prazeres em uma trajetória já assinalada por sofrimentos, tal como experimenta o personagem principal de “Drive My Car”. A narrativa de Ryûsuke Hamaguchi, repleta de alusões orientais à necessidade de triunfar e ao reconhecimento da derrota, navega pelas sombras da alma conturbada de um homem forçado a repensar suas emoções e sua comunicação. 

Baseado no conto de Haruki Murakami de 2022, Hamaguchi extrai uma mistura de caos e ordem e, habilmente, adorna a trama com citações sofisticadas de um clássico do teatro, criando uma obra metalinguística que é tanto inventiva quanto surpreendente. 

A vida de Yûsuke Kafuku, interpretado por Hidetoshi Nishijima, um ator e diretor teatral, flui ao som de uma melodia poética e tranquila, especialmente nos momentos de calma transcendental, como os que seguem os íntimos encontros com sua esposa, a roteirista Oto, interpretada por Reika Kirishima. Estes instantes são aproveitados para refletir sobre detalhes de um futuro projeto televisivo. 

A trama se desenrola em torno de uma jovem apaixonada por um colega de escola que entra em sua casa para furtar recordações. Hamaguchi, Murakami e Takamasa Oe mantêm Nishijima e Kirishima juntos na tela o máximo possível, provavelmente com o objetivo de provocar no público um desconforto palpável pela ausência de Oto, mais sugerida do que explicitamente revelada. 

Paralelamente, a história introduz a fixação de Kafuku por uma nova produção de “Tio Vanya” de Anton Chekhov (1860-1904), encenada por um elenco japonês falando russo, e a presença de Misaki, uma espécie de acompanhante para ele após um diagnóstico de glaucoma progressivo. Tôko Miura desempenha esse novo impulso vital em um período marcado por morte e doença, também ela lutando para se proteger dos espectros de vidas das quais já não se lembra. 


Filme: Drive My Car 
Direção: Ryûsuke Hamaguchi 
Ano: 2021 
Gênero: Thriller/Drama 
Nota: 9/10