Hilário e alucinante, o filme mais esperado de 2024 acaba de estrear na Netflix Divulgação / Netflix

Hilário e alucinante, o filme mais esperado de 2024 acaba de estrear na Netflix

Cada um reivindica o que considera ser justo, e sentimentos como amor, fúria, desejo, ganância sobem e descem na escala da vida de acordo com o lugar em que nos achamos. Essa verdadeira guerra acha esteio nas batalhas cruentas da vida real quando, uma vez aberto o flanco, não se pode conter a horda de invasores que parte para cima de muito mais que um corpo físico num lugar supostamente errado, noção que o protagonista de “City Hunter” incorpora a sua maneira.

A adaptação fiel de Yûichi Satô para a série de mangás escrita e ilustrada por Tsukasa Hôjô, lançada em 1986, muito popular em meio ao público japonês ainda hoje, captura esse espírito de verdadeira comoção em torno de uma história que emula uma realidade bastante específica da rotina policial, a que o diretor acresce os elementos fantásticos que caem como uma luva em histórias dessa natureza. O roteiro de Hôjô e Tatsuro Mishima afina as loucuras do protagonista ao caráter dos heróis e semideuses sem impolutos ovacionados  pelo cinema. É disso que o povão gosta.

Se fosse possível definir o homem num único conceito, a imagem que caber-lhe-ia à perfeição é a do poder, ou para ser ainda mais exato, a da aspiração e da vontade de exercer mando sobre quem quer que seja, impondo condições, exigindo contrapartidas pouco razoáveis às iniciativas que toma apenas por obrigação, ultrapassando os limites entre a gentileza e o abuso, por não saber inspirar respeito de outro modo. Virtudes e defeitos — principalmente defeitos — estabelecem o quão resoluto pode ser um indivíduo cujo maior objetivo na vida é escalar sem descanso a muralha dos sonhos mais impublicáveis, todos ligados entre si e afinados, intentando atingir uma meta bastante específica. Essa ânsia por sair de um lugar que parece menor aos olhos do mundo e alcançar o topo, custe o que custar, passa pela cabeça de todos nós; entretanto, só aqueles verdadeiramente obcecados, seduzidos de morte pela graça maldita do poder, são capazes de fazer desse projeto tão etéreo uma realidade, perigosamente confortável.

Satô volta a eventos que os admiradores da franquia reconhecem de imediato, especialmente aqueles que tem idade o bastante para ter assistido às aventuras de Ryo Saeba, o detetive-playboy vivido por Ryohei Suzuki, encarnado por Jackie Chan na versão dirigida por Jing Wong, de 1993. Aqui, o diretor esclarece alguns pontos já delineados no longa de três décadas atrás, reforçando o mistério que ronda o homicídio de Hideyuki, o parceiro algo mais comedido de Masanobu Andō.

A elucidação do crime é uma questão de honra para Ryo, mas ele sabe que só pode chegar ao assassino caso aceite uma colaboraçãoquetalvez estrague sua rotina de solteirão convicto e interfira também em suas pretensões no departamento de polícia da selva de pedra onde é rei — contingência a respeito da qual ele, na verdade, não tem lá muito poder de decisão. Kaori, a irmã do investigador morto, chega para dar uma boa chacoalhada na carreira e na vida do anti-herói de Suzuki, da mesma que Misato Morita não deixa pedra sobre pedra desde o momento em que surge até o desfecho, perfazendo 102 minutos de lutas milimetricamente coreografadas e uma dose de charme, porque nem os samurais contemporâneos são de ferro.


Filme: City Hunter
Direção: Yûichi Satô
Ano: 2024
Gêneros: Ação/Policial
Nota: 8/10