Suspense policial com Gary Oldman, que chegou à Netflix, é um dos melhores filmes do gênero nos últimos 3 anos Divulgação / Elevation Pictures

Suspense policial com Gary Oldman, que chegou à Netflix, é um dos melhores filmes do gênero nos últimos 3 anos

Boa parte da história do homem é permeada pelo surgimento, avanço e expansão de substâncias que especialistas, legisladores e juízes definem como legais ou ilícitas. No caso do Klaralon, o opioide fictício em torno do qual “Crise” se move, Nicholas Jarecki costura algumas subtramas para falar sobre de que maneira drogas pretensamente revolucionárias arrasam com a vida de milhares de pessoas sem dar-lhes outra alternativa senão aumentar aos poucos a dose, fomentando uma espécie de suicídio grupal e silencioso responsável por fazer girar uma fração da economia que mantém o PIB dos Estados Unidos no melhor dos cenários possíveis.

Jarecki toca fundo na hipocrisia das autoridades no que respeita à dor e ao luto das cem mil pessoas que perdem parentes e amigos todos os anos para a dependência em medicamentos à base de morfina, um potente analgésico natural que, transformado nos laboratórios cheios de tecnologia da América, gera uma fonte de refrigério imediato também para as chagas do espírito. O diretor-roteirista é hábil em juntar essas múltiplas caras da drogadição e expor as várias consequências do abuso de fármacos, passando pelas carreiras de um detetive e um professor universitário e chegando ao drama tão pessoal e incontornável de uma mãe devastada por uma notícia que nunca deixa de atormentá-la.

Hábitos nocivos à manutenção do bem-estar do organismo, como o consumo excessivo de álcool, gorduras trans, frituras, açúcar refinado, cafeína, sal em demasia, o tabagismo, o uso de drogas em geral, a falta de atividades físicas, tudo isso, além do famigerado estresse, contribuem para minar a saúde, inclusive a mental, claro. O homem ficou viciado na comodidade venenosa de habitar os grandes centros, cada vez mais atolado de trabalho e, por conseguinte, cada vez mais enfastiado, desapontado, infeliz. E vício é a palavra exata para descrever a sinuca de bico das emoções humanas do ponto de vista biológico.

Não suportamos ficar indispostos, reféns das descompensações químicas que nós mesmos procuramos. Qual a solução, rápida, por que não há tempo a se desperdiçar? Antidepressivos, ansiolíticos, sedativos… e o ciclo recomeça. Às vezes, a sensação de nó na garganta só se dissipa com a ajuda da medicina, mas na maior parte dos casos, há muitas outras saídas antes de se entregar aos tarjas-pretas da vida. O capitalismo e sua sanha em transformar qualquer coisa em dinheiro — e nas formas mais vis de se consegui-lo — explica muito sobre como drogas e sua aura de falso glamour acaba por virar matéria-prima de canções, programas de televisão, livros e filmes, essas duas últimas configurações decerto as mais comuns e quase sempre as mais avassaladoras.

Jareckidá a partida concentrando-se no perturbado microuniverso de Jake Kelly, ooficial da DEA que faz da missão de capturar um traficante conhecido por Mãe muito mais que uma tarefa de seu cotidiano. Armie Hammer, colhido por um escândalo na vida real, é a alma de “Crise”, e aos poucos traz para seu entorno Claire Reimann, a mãe vivida por Evangeline Lilly cujo filho morre depois de uma misteriosa overdose por oxicodona, e o doutor Tyrone Brower de Gary Oldman, cada qual aparecendo na hora certa até o surpreendente desfecho de uma história que refuta o óbvio, o gratuito e o lacrimogêneo.


Filme: Crise
Direção: Nicholas Jarecki
Ano: 2021
Gêneros: Drama/Suspense/Policial 
Nota: 8/10