Digna de Oscar, a obra-prima de Yorgos Lanthimos está na Netflix e vale cada centésimo de segundo do seu tempo Divulgação / Protagonist Pictures

Digna de Oscar, a obra-prima de Yorgos Lanthimos está na Netflix e vale cada centésimo de segundo do seu tempo

Situações, pessoas, formas de vida excêntricas, bizarras encantam Yorgos Lanthimos. Em “O Lagosta” fica expressa sua vontade de enveredar pelos desejos mais misteriosos da condição humana, e é também quando aproveita para levantar uma hipótese sobre a conveniência social de certas escolhas do indivíduo, o que desencadeia uma tempestade de reflexões, todas em alguma medida ligadas à necessidade do homem quanto a se inserir no mundo que o cerca.

Lanthimos já o havia feito em “Dente Canino” (2009), no qual delineia a revolta de três adolescentes contra seus pais opressivos, e em “Alpes” (2011), onde se aprofunda na dificuldade de se aceitar a morte, e segue assim no perturbador “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017), e em “A Favorita” (2018), crítica farsesca e assumidamente debochada aos costumes da Inglaterra do princípio do século 18, onde já existiam comezinhas disputas por poder e pelo afeto de uma rainha carente.

O diretor e o corroteirista Efthimis Filippou, com quem trabalhara em “Dente Canino” e “Alpes”, optam pelo jeito mais custoso — e mais poético — de satirizar uma espécie de ditadura dos (falsos) sentimentos de uma humanidade fascinada por seus próprios encantos, paradoxo que muda o filme num passeio pelos bosques úmidos e escuros de cada um.

Ao cabo de uma desilusão qualquer, solteiros têm 45 dias para arrumar um novo parceiro, explicam Lanthimos e Filippou, e caso o novo possível relacionamento não se materialize, serão despachados para um hotel numa montanha mágica e algo tétrica, como no romance de formação de Thomas Mann (1875-1955), com outro grau de acidez.

Lá, os homens se submetem a usar camisas sob o mesmo corte, azul-claras ou branca, e calças marrons, e as mulheres, suéteres e vestidos escuros. Todos entregam seus pertences e suas almas na recepção, e torcem para que tenham mais sorte que no antigo cotidiano em sociedade, ou terão de se conformar em serem transformados no animal de sua preferência e soltos na mata que circunda o estabelecimento, aí, sim, sem que ninguém mais meta-se com eles.

David, o sujeito irritantemente comum a que Colin Farrell dá vida numa performance tocante, opta pela lagosta por sua vasta longevidade — quem diria que aquele bicho grotesco e saboroso leva até cem anos para ceder ao fim por livre e espontâneo arbítrio? —, seu sangue azul, símbolo de nobreza, de acordo com ele, e porque, claro, nunca conhece a terra, uma vantagem em se tratando de um ambiente cheio de caçadores.

O diretor reserva os dois tercos restantes da história para detalhar como seria a existência de seu protagonista no outro possível novo corpo. Enquanto isso não acontece, dá espaço para que a personagem de Rachel Weisz narre a saga do improvável companheiro, o que faz a narrativa arrastar-se um tanto, salva aqui e ali pelas intervenções de John C. Reilly e Ben Whishaw, nessa ordem. Olivia Colman na pele da gerente do hotel passa como uma coadjuvante de luxo, mas o desfecho, momento em que “o” lagosta, no masculino, define seu próprio destino, redime muitos dos deslizes semânticos de Lanthimos. 


Filme: O Lagosta
Direção: Yorgos Lanthimos 
Ano: 2015
Gêneros: Romance/Comédia/Drama 
Nota: 8/10