Situações, pessoas, formas de vida excêntricas, bizarras encantam Yorgos Lanthimos. Em “O Lagosta” fica expressa sua vontade de enveredar pelos desejos mais misteriosos da condição humana, e é também quando aproveita para levantar uma hipótese sobre a conveniência social de certas escolhas do indivíduo, o que desencadeia uma tempestade de reflexões, todas em alguma medida ligadas à necessidade do homem quanto a se inserir no mundo que o cerca.
Lanthimos já o havia feito em “Dente Canino” (2009), no qual delineia a revolta de três adolescentes contra seus pais opressivos, e em “Alpes” (2011), onde se aprofunda na dificuldade de se aceitar a morte, e segue assim no perturbador “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017), e em “A Favorita” (2018), crítica farsesca e assumidamente debochada aos costumes da Inglaterra do princípio do século 18, onde já existiam comezinhas disputas por poder e pelo afeto de uma rainha carente.
O diretor e o corroteirista Efthimis Filippou, com quem trabalhara em “Dente Canino” e “Alpes”, optam pelo jeito mais custoso — e mais poético — de satirizar uma espécie de ditadura dos (falsos) sentimentos de uma humanidade fascinada por seus próprios encantos, paradoxo que muda o filme num passeio pelos bosques úmidos e escuros de cada um.
Ao cabo de uma desilusão qualquer, solteiros têm 45 dias para arrumar um novo parceiro, explicam Lanthimos e Filippou, e caso o novo possível relacionamento não se materialize, serão despachados para um hotel numa montanha mágica e algo tétrica, como no romance de formação de Thomas Mann (1875-1955), com outro grau de acidez.
Lá, os homens se submetem a usar camisas sob o mesmo corte, azul-claras ou branca, e calças marrons, e as mulheres, suéteres e vestidos escuros. Todos entregam seus pertences e suas almas na recepção, e torcem para que tenham mais sorte que no antigo cotidiano em sociedade, ou terão de se conformar em serem transformados no animal de sua preferência e soltos na mata que circunda o estabelecimento, aí, sim, sem que ninguém mais meta-se com eles.
David, o sujeito irritantemente comum a que Colin Farrell dá vida numa performance tocante, opta pela lagosta por sua vasta longevidade — quem diria que aquele bicho grotesco e saboroso leva até cem anos para ceder ao fim por livre e espontâneo arbítrio? —, seu sangue azul, símbolo de nobreza, de acordo com ele, e porque, claro, nunca conhece a terra, uma vantagem em se tratando de um ambiente cheio de caçadores.
O diretor reserva os dois tercos restantes da história para detalhar como seria a existência de seu protagonista no outro possível novo corpo. Enquanto isso não acontece, dá espaço para que a personagem de Rachel Weisz narre a saga do improvável companheiro, o que faz a narrativa arrastar-se um tanto, salva aqui e ali pelas intervenções de John C. Reilly e Ben Whishaw, nessa ordem. Olivia Colman na pele da gerente do hotel passa como uma coadjuvante de luxo, mas o desfecho, momento em que “o” lagosta, no masculino, define seu próprio destino, redime muitos dos deslizes semânticos de Lanthimos.
Filme: O Lagosta
Direção: Yorgos Lanthimos
Ano: 2015
Gêneros: Romance/Comédia/Drama
Nota: 8/10