Um dos melhores filmes espanhóis de 2023 está na Netflix e você ainda não o assistiu Divulgação / Netflix

Um dos melhores filmes espanhóis de 2023 está na Netflix e você ainda não o assistiu

Jovens marcados por tragédias familiares constituem um gênero à parte no cinema. A atemporalidade desses conflitos é decerto o que mantém o interesse do público ao longo dos anos, e em “Minha Solidão Tem Asas” Mario Casas replica uma fórmula de sucesso a fim de ir fundo na agonia de um garoto sem rumo, arrastando consigo outras duas almas à deriva, vítimas de suas próprias decisões equivocadas.

Depois de estrelar mais de meia centena de produções, entre curtas, séries e os tradicionais dramas de fôlego da indústria espanhola, Casas vai para trás das câmeras num movimento ousado e que sempre inspira cautela. Seu roteiro, coescrito com a mulher, Déborah François, expõe as muitas faces de alguém que tem o grito de socorro encalacrado, por orgulho ou por vergonha.

A frutífera parceria dos dois, protagonistas de “Remédio Amargo” (2020), o surpreendente terror psicológico de Carles Torras, faz com que seu filme balance da glosa sociológica para uma história apenas violenta, recorte do que acontece nas periferias de cidades grandes mundo afora, seja Barcelona, Madri ou Berlim, três locações mencionadas por Casas e François. Um problema crônico cuja solução vai além de cálculos políticos.

É impossível que um filme como “Minha Solidão Tem Asas” não resvale em clichês com alguma frequência, tanto pelo caráter universal do tema, como por se tratar de um diretor estreante. Assim mesmo, Casas faz de seus limões uma limonada bastante azeda, malgrado até refrescante em vários momentos.

Dan, o delinquente vivido por Óscar Casas, está num ponto delicado de seu caminho. A primeira cena o mostra rodeado de pessoas usando preto, e conforme o plano vai se abrindo, sabe-se que estão num cemitério, onde acontece o sepultamento da mãe do personagem do irmão caçula do diretor.

Fica no ar um desconforto, como se a plateia esperasse que algo pior se desse, mas Casas não entrega tudo de uma vez, e segura Óscar num close, deslocando a câmera para um homem que desce de uma viatura a alguns metros. O pai de Dan também chega para despedir-se da ex-companheira, e mesmo quase sem deixar perceber, Francisco Boira paira feito uma nuvem pesada que não arrefece depois de uma noite de tempestade.

O roubo a uma joalheria de Barcelona liderado por Dan, com os cúmplices Vio e Reno, referve no caldeirão das ações aparentemente sem consequências, como eles pensam que deve ser, porque são jovens, pobres e o, mais importante, espertos. Casas reserva a elaboração do centro da narrativa para o terceiro ato; enquanto isso, o diretor mostra Dan voltando para casa depois do crime, trocando duas ou três palavras afáveis com a avó, de Ángeles Moreno, para novamente sair e se encontrar com os comparsas.

Candela González e Farid Bechara, talentosos, surgem na pele de dois simples legitimadores das vontades de Dan, ele mais que ela. Quanto a Vio, o diretor reserva uma grande virada para a antimocinha de González, ao passo que Bechara é miseravelmente desperdiçado, retornando em conversas por telefone com o amigo no terceiro ato.

Também resta perdido o argumento de Dan ser um novo Banksy, embora uma sequência na iminência do desfecho, com latas de tinta spray e fogo, resgate em alguma medida a imagem de artista maldito que Casas tentara erigir em torno de seu ambíguo protagonista. A violência que se abate sobre Dan, contudo, é talvez a lembrança de que ele abusara do talento e da sorte. E para tal erro nenhum castigo é severo o bastante.


Filme: Minha Solidão Tem Asas
Direção: Mario Casas
Ano: 2023
Gêneros: Drama
Nota: 8/10