Filme que foi aplaudido de pé no Festival de Toronto e custou 600 milhões de reais está na Netflix Divulgação / Lions Gate Films

Filme que foi aplaudido de pé no Festival de Toronto e custou 600 milhões de reais está na Netflix

Peter Berg está atento às metamorfoses pelas quais passam os Estados Unidos há mais de duas décadas, desde 11 de setembro de 2001, quando as duas torres do World Trade Center, o complexo comercial mais simbólico da pujança do capitalismo do país, foram abaixo depois de um ataque terrorista dirigido pelo ex-aliado Osama bin Laden (1957-2011), morto durante uma força-tarefa que reuniu a elite militar americana numa emboscada no Paquistão ao cabo de dez longos anos.

Essa novíssima ordem, caótica, enigmática, sangrenta, passou a ser objeto de seus filmes, e de alguma maneira se faz presente em “Horizonte Profundo: Desastre no Golfo”, sátira involuntária, porém mordaz, acerca da ganância sem limite a avançar sobre protocolos básicos de segurança, matando pessoas e causando estragos ambientais que exigem anos para serem mitigados, com a constante tentativa dos responsáveis de dificultar investigações, intimidar vítimas, destruir provas, comprar testemunhas.

Os roteiristas David Barstow, Matthew Michael Carnahan e Matthew Sand se esmeram em, primeiro, tirar a máscara de impessoalidade dos personagens envolvidos na tragédia para só então ir explicando-a, num movimento que acaba resultando numa espécie de documentário, ou, pior, numa peça da acusação pronta para ser usada em alguma audiência futura. Por melhor que o elenco se saia.

Berg já havia experimentado o sucesso de público e crítica com “O Dia do Atentado” (2016), em que disseca as motivações de Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev (1986-2013), os irmãos quirguistaneses-americanos muito bem interpretados por Alex Wolff e Themo Melikidze, para deflagrarem um ataque terrorista quando da realização das provas da Maratona de Boston em 15 de abril de 2013, matando três pessoas e deixando centenas de feridos.

Aqui, o diretor continua um escravo da técnica, para o bem e para o mal, o que, por óbvio, serve em algumas circunstâncias, mas enfraquece o todo, uma vez que é impossível entender, justificar e sentir uma história desse jaez sem que se aceite sofrer como a gente que aparece ali. Barstow, Carnahan e Sand levam-nos à intimidade dos Williams, uma família de classe média chefiada por Mike, ausente boa parte do ano, isolado numa plataforma de perfuração de petróleo no Golfo do México, e a esposa Felicia, que segura as pontas enquanto o marido não volta.

Mark Wahlberg e Kate Hudson têm alguma química, mas isso não conta muito, já que quase nunca estão juntos. Quando a ação se transfere para a plataforma, o enredo se concentra nos tipos que ocupam-na, reduzidos a uma pálida caricatura no olhar de Berg. Jimmy Harrell é o decano vivido por Kurt Russell, bonachão e gentil, e Andrea Fleytas, de Gina Rodríguez, sua nova estagiária, naturalmente bonita e ainda ciosa de um certo romantismo na profissão que deseja abraçar, mas nada se compara a Donald Vidrine, a encarnação do capitalista selvagem mau como pica-pau de John Malkovich, a quem Berg decerto quis dar um ar de CEO da British Petroleum ou da Halliburton. Se nos lembrarmos do Dick Cheney de Christian Bale em “Vice” (2018), a biografia assumidamente detrativa de Adam McKay, imaginamos o constrangimento de Malkovich, e sentimos sua dor. 

Na segunda metade, Berg entra na catástrofe ela mesma, com discussões introdutórias sobrepressão em compartimentos diminutos — que o público leigo, claro, não absorve — e conversas meio clandestinas sobre o péssimo estado de conservação da plataforma e dos equipamentos de segurança.

Wahlberg e Russell monopolizam as atenções nas cenas em que o primeiro, diz-se à boca miúda, teria dispensado o dublê. Essas pirotecnias enchem os olhos, sem dúvida, bem como a explosão de água, óleo e fogo, que acabou com onze operários mortos, dezessete feridos, um prejuízo bilionário e um desequilíbrio ambiental cujas consequências não foram justamente estimadas ainda hoje. Peter Berg tentou. Justiça se lhe faça, o desafio era imenso.


Filme: Horizonte Profundo: Desastre no Golfo
Direção: Peter Berg
Ano: 2016
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10