O melhor filme de Jason Statham está na Netflix e vai te deixar na ponta do sofá até o último segundo Divulgação / Lions Gate Films

O melhor filme de Jason Statham está na Netflix e vai te deixar na ponta do sofá até o último segundo

Há filmes difíceis de classificar. Seja por uma escolha consciente do diretor, que interpreta de maneira idiossincrásica demais o roteiro que chega-lhe às mãos, seja por esse diretor não entender a natureza do material que passa a decupar e disso sair a geleia geral que tanto pode apetecer como provocar enjoo, o fato é que certas produções, ajudadas por um generoso acaso — o que constitui uma situação ainda mais esdrúxula —, ficam muito melhor que a encomenda.

Pode-se tomar “Adrenalina” como um exemplo cabal do fenômeno. Lançado em 1° de setembro de 2006 e estrelado pelo londrino Jason Statham — desde “Carga Explosiva” (2002), dirigido por Louis Leterrier e Corey Yuen, cada vez mais famoso pelos besteiróis que fundem desavenças nas altas rodas do submundo, perseguições automobilísticas e fetiches sexuais como só mesmo o capitalismo à americana é capaz de conceber —, o longa rejeita qualquer sofisticação formulaica, o que, por conseguinte, aumenta a chance de se atingir um público bem mais vasto com orçamento dez vezes inferior. Mérito quase todo do próprio Statham.

O roteiro de Mark Neveldine e Brian Taylor, os diretores — como se percebe nessas ocasiões, são necessárias duas cabeças para fazer o que uma resolve sozinha na maior parte dos filmes já rodados ao longo da história do cinema… —, não dispõe de apuro intelectual, e sem querer ser maldoso, também não se distingue pela harmonia plástica. O carisma do titânico Statham segura o filme quase sem ajuda, fora uma ou outra entrada mais vigorosa, ao longo de cerca de hora e meia.

Seu personagem, Chev Chelios, é o assassino de aluguel envenenado por RockyVerona, de Jose Pablo Cantillo, que inoculara nele uma substância que exige que seus níveis de adrenalina estejam sempre na estratosfera, a fim de que permaneça vivo. Não que levando a vida que tem Chelios vá muito mais longe, mas como não quer passar esse recibo, o sicário dispara em busca do antídoto milagroso, provocando um cataclismo algo nonsenseem Los Angeles.

E ele sua para tirar da cartola métodos os mais insanos que permitam-lhe esticar a corda um pouco mais: rouba carros que guia com a diligência de um Dominic Toretto; faz sexo com a namorada Eve, de Amy Smart, junto a uma multidão de asiáticos curiosos em visita aos pontos turísticos da Cidade dos Anjos, redobra o consumo de alcaloides. Tudo isso enquanto aguarda que o doutor Miles, seu cardiologista — respiro cômico (fortuito) de Dwight Yoakam —, forçado a interromper momentos de descanso de que usufrui em companhia de belas mulheres, volte a tempo de examiná-lo e saber se ele escapa dessa para contar.

Decerto, o maior acerto de “Adrenalina” é sua apresentação. A linguagem de videoclipe, já em desuso quando da estreia, é a embalagem perfeita para um enredo tão acelerado quanto despretensioso, que se vale justamente da modéstia da trama para emendar uma sequência na outra e assim obter um todo coeso, por mais paradoxal que isso soe. Neveldine e Taylor, mais do que fãs do cinema macho, são admiradores do maximalismo kitsch, e colocam o bom gosto à prova em experimentações fecundas em elementos narrativos-visuais.

A pletora de ecrãs fragmentados; deformação de imagens e primeiras-pessoas; a câmera assumindo o olhar dos personagens; cores que estouram; brilho fosco; o andamento descompassado da câmera, que oscila entre arrastada e sem freio; computação gráfica; e inscrições na tela, para ficar nos efeitos mais óbvios, deixam ainda mais arrojada a concepção do filme, tudo, repita-se, sem maiores elaborações estilísticas. Não é sempre que se chega a tal façanha.

A trilha sonora, com solos de guitarra e sucessos country dos anos 1990, como “Achy Breaky Heart” (1992), que Cheliosouve na voz de Billy Ray Cyrus ao tomar o táxi do personagem de Yousuf Azami, é outra das gratas surpresas do filme, que coroa a sua louvável ruptura lógica com um tom preciso de comicidade quando um apalermado repórter não sabe o que dizer sobre o que assiste. Antes do desfecho, a chuva de balas que faz correr um rio de sangue é um monumento ao absurdo no cinema como Hollywood nem sempre se permite.


Filme: Adrenalina
Direção: Mark Neveldine e Brian Taylor
Ano: 2006
Gênero: Ação/Suspense
Nota: 7/10