O filme ganhador do Oscar, considerado por George Clooney como o melhor de sua carreira, acaba de estrear na Netflix Divulgação / Fox Searchlight Pictures

O filme ganhador do Oscar, considerado por George Clooney como o melhor de sua carreira, acaba de estrear na Netflix

O Havaí não é nenhum paraíso, pelo menos não o paraíso que todos aqueles que não moram no Havaí imaginam. No Havaí, as pessoas também sofrem desilusões amorosas, são infelizes, têm câncer, morrem sozinhas sem que o resto do mundo sequer tome conhecimento. É essa a falsa mística que Alexander Payne faz questão de vencer em “Os Descendentes”, drama de família leve, mas que passa longe de fazer concessões ao fácil, à graça pela graça, e, por esse motivo, um filme raro.

Adaptando o romance homônimo de Kaui Hart Hemmings, publicado em 2007, o trabalho de Payne equilibra-se bem entre as cenas de maior impacto e passagens genuinamente engraçadas de humor ora pueril, ora mórbido, conduzidas por atores que têm a dimensão exata de sua importância no enredo. Muito a propósito, o roteiro, do diretor, Nat Faxon e Jim Rash, põe para rodar uma engrenagem muito bem-azeitada, deixando que cada um brilhe na hora e na intensidade certas.

Matt King é tataraneto de uma nativa e um americano que espalham herdeiros e fortuna pelo Havaí desde 1860. Um dos tripés da história é o imbróglio em torno de uma vasta área de mata virgem em Kauai, a mais ocidental das Ilhas Havaianas, patrimônio, como todo o resto, administrado por Matt. Decidir se cede à investida de megaincorporadoras, ávidas por levantar resorts de verão e condomínios de luxo, é, no entanto, o menor de seus problemas.

Logo na primeira sequência, Elizabeth, a esposa, sofre um acidente aquático em que se projeta de um jet-ski por metros e bate a cabeça com força, o que resulta em semanas hospitalizada, em coma. Numa aparição sem dúvida corajosa, Patricia Hastie emociona com sua palidez fantasmagórica, a boca sempre entreaberta, cabelos desgrenhados e o indefectível cano na traqueia, ao passo que os negócios se encaminham da melhor forma, ao menos, no princípio. Payne vai virando o leme para o mar proceloso dos conflitos intergeracionais, agravados, por óbvio, pelo gradativo eclipse materno, ao demonstrar a total incompetência de Matt quanto à educação de Scottie, a filha caçula, papel de Amara Miller. Também por isso vai atrás da mais velha, Alexandra, com Shailene Woodley despontando como a boa atriz que seria, no internato em que a garota estuda. Mas nada o colhe com tanta violência quanto a revelação do adultério de Elizabeth, uma das justificativas para que tome a decisão algo radical e nada lucrativa do desfecho.

Este é um dos trabalhos mais introspectivos de George Clooney. O diretor insufla em seu protagonista a necessidade de ter sempre muito claro que Matt é um barco à deriva, um espírito perturbado por questões nas quais nunca se atreveu a pensar e essa é a única possível justificativa para variações de humor e de índole tão profundas. Embora não fique especialmente bem em nenhum momento, Clooney reforça a ideia central do longa, qual seja, a urgência que assalta-nos a todos de tomar uma resolução difícil, ética ou nem tanto, malgrado isso degringole em sofrimento para aqueles que amamos — e que, muitas vezes, nem se dão conta disso.

Talvez “Os Descendentes” só não seja um filme arrebatador por essa imagem um tanto congelada que o público formou de Clooney, e que ele, inconscientemente, valida. Assim mesmo, não se escapa a uma reflexão sincera quando Matt, Alexandra e Scottie juntam-se no sofá, o olhar desalentado, perdidos cada qual em sua ilha.


Filme: Os Descendentes
Direção: Alexander Payne
Ano: 2011
Gêneros: Drama/Comédia 
Nota: 8/10