Filme nacional da Netflix vai fazer você desmarcar os planos e ficar em casa Divulgação / Netflix

Filme nacional da Netflix vai fazer você desmarcar os planos e ficar em casa

Um ex-jogador de futebol endinheirado, agora âncora de um podcast em que comenta as melhores jogadas de um dos muitos campeonatos de turno, casado pela segunda vez e pai de duas filhas, precisa driblar um adversário de outro mundo num jogo que ainda não conhece tão bem. Esta é mais uma prova da inestimável criatividade dos diretores de cinema brasileiros, e em “Meu Cunhado é um Vampiro”, Ale McHaddo vai juntando um tropo ao outro, na marra, sem nunca obter um efeito minimamente harmônico.

O filme da paulistana, uma referência na animação nacional com quase trinta anos de carreira, preza pelo desequilíbrio, com tiradas até engraçadas na boca de um comediante autodidata, também já bem absorvido pela indústria cultural e pela memória do povão. Depois de pontas no “Zorra Total” (1999-2015), o humorístico de sábado à noite da Globo dirigido pelo todo-poderoso Maurício Sherman (1931-2019), Leandro Hassum passou ao primeiro escalão de comediantes da emissora em 2006, junto com o hoje desditoso Marcius Melhem, como o segurança Jorginho em “Os Caras de Pau” (2006-2013), de Claudia Souto e Márcio Trigo. Há quatro anos fora da emissora de Curicica, na Zona Oeste carioca, Hassum mora com a filha Pietra e a esposa, Karina, em Orlando, na Flórida, e desde 2019, emenda na Netflix trabalhos a exemplo de “Tudo Bem no Natal que Vem” (2021), dirigido por Roberto Santucci, “Amor Sem Medida” (2021), também de McHaddo. Hassum é, sem dúvida, um case de sucesso acerca da irrefreável decadência da televisão, ao mesmo tempo que encarna um paradoxo no mínimo curioso.

Fernandinho, ex-craque do Vasco, abre a nova edição de seu programa numa plataforma de vídeos com um absurdo “Olá, internautas!”, tal como uma certa ex-presidente. “Chuta que É Sua, Fernandinho!”, decerto um bom nome, é a mesa-redonda esportiva mais comentada da internet, e nela esse catimbeiro, ao lado de Chicão e Claudionor, os personagens de Antônio Fragoso e Eliezer Motta, não admite ser tratado como reserva — ou como o atleta obsoleto, há muito sem a antiga silhueta esbelta dos tempos do São Januário, que é.

O roteiro, do diretor, Paulo Cursino e Sergio Martorelli, remói um detalhe vergonhoso da trajetória do protagonista nos campos, retomado na última sequência, com o luxuoso auxílio de um matador que nunca há de morrer. A gravação termina meio frustrada, e Fernandinho tenta se avir com o tresloucado clã, a segunda mulher, Vanessa, interpretada por Monique Alfradique, a perua que serve canapés de chuchu e cajuzinhos de soja no aniversário da filha, Moniquinha, de Maria Flor Franco.

Um mote pleno de nuanças dramático-filosóficas é atropelado pela tal festa, demasiado longa e, não por acaso, onde ficam as soluções para os “enigmas” do filme. Fernandinho sobe ao quarto de Carol, a filha mais velha, onde mais uma vez toma contato com alguém que não conhece mais. Numa das paredes, o cartaz de Dora, a Aventureira, deu lugar ao pôster de uma figura demoníaca, e pouco depois, batem à porta.

Gregório, o irmão de Vanessa sumido há séculos, reaparece e, não sem destilar um charme barato, se apossa de tudo, a começar pela atenção dos convivas. Greg conta de sua experiência como DJ na ilha espanhola de Ibiza, de onde foi para aRomênia, e, para McHaddo, isso, por óbvio, deveria ser o bastante para explicar o título. Hassum bate uma no cravo, outra na ferradura, às vezes arrancando risadas espontâneas, mas em outras distendendo a corda mais do que o aconselhável, com as momices e os ganidos que já se tornaram uma sua marca registrada. O vampirismo do personagem de Arantes Neto é esclarecido numa cena no segundo ato, mais bem destrinchada na iminência do final.

Enquanto isso, Carol, com Mel Maia tomando a verdadeira dimensão de seu ofício a cada novo trabalho, parece lutar contra uma certa atração pelo tio — que nunca avança nenhuma barreira do decoro, frise-se —, e todo o elenco se junta na casa fantasmagórica de Michele, a primeira esposa de Fernandinho, vivida por Renata Brás. É lá que acontece a batalha entre o ex-jogador e Ullah Drax, o Conde Drácula de plantão, de Edson Celulari. 

A televisão perdeu, sim, influência, mas não deixa de ser trágico que, no streaming, artistas como Hassum façam rigorosamente o mesmo que na tela pequena. Talvez seja a hora de Ale McHaddo, que assumiu a identidade de mulher transgênero desde 2020, lançar-se a empreitadas mais complexas. Por melhor que tenha sido a intenção, “Meu Cunhado é um Vampiro” é só mais um besteirol brasileiro.


Filme: Meu Cunhado é um Vampiro
Direção: Ale McHaddo
Ano: 2023
Gêneros: Comédia
Nota: 7/10