Aclamado pela crítica e sucesso absoluto da Netflix, filme foi visto por mais de 160 milhões de pessoas em 190 países Exposure Labs / Netflix

Aclamado pela crítica e sucesso absoluto da Netflix, filme foi visto por mais de 160 milhões de pessoas em 190 países

Uma mistura de ficção e documentário, “O Dilema das Redes”, de Jeff Orlowski provocou um verdadeiro frenesi quando foi lançado, em 2020. Dirigido por Jeff Orlowski, a proposta do longa-metragem é revelar a conspiração por trás das redes sociais, uma intricada ferramenta de espionagem e manipulação na qual nós mesmos nos inscrevemos, nos permitimos e consentimos, através dos termos de uso, para sermos espionados e manipulados.

A premissa é muito boa, mas as revelações são menos surpreendentes do que previsto. “O Dilema das Redes” é um filme de pouco mais de uma hora e meia de encenações, mas também de entrevistas a diversos ex-funcionários de grandes redes sociais. A narrativa é conduzida primordialmente por um ex-designer do Gmail, Tristan Harris. Ele conta que depois de constatar que todo o design, estética, funcionamento e programação do Gmail causava uma espécie de vício em seus usuários, ele percebeu o tanto que seu trabalho era pouco ético. Na verdade, ele e outros colegas tinha exatamente a função de criar funções e adereços que tornassem a experiência cada vez mais viciante.

Além dele, outras várias pessoas que trabalharam em ferramentas de redes sociais são entrevistadas. Paralelo a isso, eles criam uma ficção, uma historinha para ilustrar o que está sendo falado.  A  segunda linha narrativa explora a rotina de uma família em que os filhos são viciados em redes sociais. Uma pré-adolescente depressiva porque se sente rejeitada online. Um adolescente que começa a assistir vídeos ligados a determinado segmento político.

Na representação, a inteligência artificial é interpretada por três caras, uma espécie de trigêmeos idênticos sem nenhuma empatia, que manipulam tudo que aparece no feed de cada pessoa e tudo que é seu que é exibido para os outros. É como se quisessem personificar a inteligência artificial. A partir dessa criação da ficção, o filme começa a ficar muito raso e muito cafona.

No desenrolar da história, aqueles ex-funcionários de redes sociais vão narrando como suas profissões serviam para coletar dados, prender atenção, moldar comportamentos com uma finalidade de lucrar o máximo possível com venda de anúncios.  Acompanhamos o declínio da trajetória da internet no mundo, a sabotagem à democracia. 

Ondas de violências causadas por teorias de conspiração, famílias divididas por posicionamentos políticos, pessoas em uma guerra narrativa, nas maiores nações do mundo, por causa das fake news. O Brasil é usado como exemplo, mas de maneira muito rasa também. Os gênios do Vale do Silício, que ajudaram a criar o monstro, deixam seus cargos preocupados, surpresos com os rumos do mundo, agora ideologicamente caotizado graças às suas criações, os mecanismos utilizados pelas redes sociais, as recomendações do YouTube, os anúncios do Facebook e por aí vai.

A proposta de discutir o impacto das redes sociais nas políticas mundiais, na dependência emocional, nas depressões e ansiedades, na construção de padrões na sociedade, padrões de corpo, padrões de consumo, enfim… tudo isso é realmente muito importante de ser debatido. Alguém comenta que os tempos hoje são a era da desinformação e não da informação. Tão verdade quanto mentira. O buraco é mais embaixo e, se a gente for parar pra pensar, é tudo bem mais complexo do que o filme propõe. Em alguns momentos, “O Dilema das Redes” soa até bobo, infantiloide.  Primeiro, porque as redes sociais não são exatamente as grandes vilãs. Elas não são completamente más. Nada é tão preto no branco.

É preciso ponderar que os problemas começam na própria sociedade. O problema começa a partir de líderes fascistas, cruéis e manipuladores, governos autoritários, pessoas mal-intencionadas, grupos religiosos extremistas, desigualdades sociais, uma educação elitizada e que não está ao alcance de todos, uma sociedade sob hegemonia masculina, hétero, branca, bem-educada e rica. A gente precisa pensar em como mudar o status quo, o establishment, a estrutura dessa sociedade. A internet é apenas uma ferramenta nas mãos dessas pessoas, que ao longo das décadas, tem usados todas as outras ferramentas e tecnologias em seu favor, São elas que estão por trás das mensagens de What’s App em massa, que sequer é citado no documentário. 

O aplicativo talvez tenha sido o principal responsável pelas fake news nas eleições de 2018, atrapalhando todo o processo democrático no Brasil, nos EUA e na Europa, mas ele concentra todas as suas energias apenas no Facebook, uma rede social em decadência há anos. Eles chegam a citar Twitter e Instagram, mas de uma maneira muito rasa, apenas para constatar o óbvio: que elas disputam a atenção dos usuários.

Enquanto muitos ovacionaram “O Dilema das Redes”, penso que nosso pensamento crítico precisa ir um pouco mais além. É sempre válido trazer esse debate à mesa, mas pareceu apenas mais um entretenimento da Netflix sob uma máscara de um argumento importante. O filme de Orlowski deixou tudo muito simplista e isso pareceu até uma maneira de atrair mais fácil o público.

Dentro do mesmo tema, o público pode explorar outros shows e filmes, como “Patriot Act” com Hassam Minhaj e o documentário “CitizenFour”, que conta a história do Edward Snowden, que trabalhou na Agência Nacional Americana coletando informações sigilosas de usuários da internet, especialmente usuários importantes, como ocorreu com a Dilma, no Brasil, que estava sendo vigiada pelo governo americano.


Filme: O Dilema das Redes
Direção: Jeff Orlowski
Ano: 2020
Gênero: Documentário/Drama
Nota: 8/10