Último filme de M. Night Shyamalan acaba de estrear na Netflix e vai fazer você querer dormir de olhos abertos Phobymo / Universal

Último filme de M. Night Shyamalan acaba de estrear na Netflix e vai fazer você querer dormir de olhos abertos

Tomando-se os postulados de Albert Einstein (1879-1955) em sua constituição pura, seria possível, até sem muita dificuldade, reordenar a passagem dos dias, dos meses, anos e séculos, indefinidamente, de acordo com as necessidades do homem, o que Stephen Hawking (1942-2018) ratificou com seus estudos sobre o espaço-tempo e a radiação dos buracos negros, onde a luz se desintegra e metamorfoseia-se em novas fontes de energia e uma força ineditamente poderosa, capaz de, como previra o alemão sete décadas antes, empurrar tudo quanto existe para o limbo onde a vida recomeçaria.

Relógios e calendários são representações um tanto imaginosas de fragmentos da vida, como M. Night Shyamalan volta a mostrar, de um jeito muito mais lírico e pragmático, em “Tempo”. Baseado na graphic novel “Sandcastle” (2013), de Pierre-Oscar Levy e Frederick Peeters, o texto de Shyamalan remexe as entranhas de uma família abalada por um infortúnio que se desdobra em outro, amenizados por um cenário paradisíaco que escamoteia circunstâncias sinistramente inexplicáveis, além de tocar em assuntos espinhosos que temos preferido varrer para debaixo de um imenso tapete de hipocrisia.

De imediato, percebe-se que há alguma coisa de errado com os Cappa. Guy, o pai vivido por Gael García Bernal, parece bastante animado com a viagem que oferece aos filhos, Trent, papel de Nolan River, e Maddox, de Alexa Swinton, mas Prisca, por mais que tente, não consegue disfarçar a tristeza. Vicky Krieps empresta a essa mulher desiludida, extenuada e algo chorosa a nobreza vista em “Corsage” (2022), a biografia romanceada de Elizabeth da Baviera (1837-1898) dirigida por Marie Kreutzer.

Tanto Sissi como Prisca sofrem de uma nostalgia devastadora, que Krieps faz sobressair com o olhar sempre baço e cabelos excessivamente curtos e sem corte, além de uma postura complacente e terna além do recomendável diante da rebeldia de Maddox e da irrequietude do caçula. Pouco depois, Shyamalan põe na boca dos personagens de Krieps e Bernal acusações mútuas em que ela reconhece que o casamento dos dois já claudicava desde antes do câncer dela, mas cobra-lhe que admita que deveria tê-la chamado às falas e dito que queria se separar. Ele por sua vez diz que ela se vitimiza e usa a doença como arma, e aos poucos tem a certeza de que, de uma forma ou de outra, terem viajado juntos foi um erro. Quando o amanhece, os quatro vão à praia do resort onde estão hospedados e conhecem Charles, o médico interpretado por Rufus Sewell, Chrystal, a esposa  vinte anos mais nova, de Abbey Lee Kershaw, 

Agnes, de Kathleen Chalfant, mãe dele, e Kara, a filha do casal, papel de Mikaya Fisher, além de Jarin e Patricia, os personagens de Ken Leung e Nikki Amuka-Bird. As crianças vão brincar e descobrem objetos com a logomarca do hotel enterrados na areia; minutos depois, Trent está na água quando sente algo bater-lhe às costas. É o cadáver de uma jovem loira e bonita que estivera ali na noite anterior. 

Enquanto tentam resolver o mistério, o tumor cresce e a saúde de Prisca se deteriora, ao passo que as roupas das crianças encolhem a olhos vistos, até que já não mais têm as feições infantis de 24 horas atrás. O aparecimento de Mid-Sized Sedan, quiçá uma celebridade perdida por aquelas bandas, reforça a estranheza dos  Cappa e seus consortes, e Aaron Pierre encarna a ambivalência que o diretor busca, até dar umas poucas respostas convincentes para o descalabro que acontece no éden diabólico em que todos foram se meter. O resto cada um pode imaginar a seu talante, uma marca dos trabalhos de Shyamalan. 


Filme: Tempo
Direção: M. Night Shyamalan
Ano: 2021
Gêneros: Terror/Suspense 
Nota: 8/10