Romance comovente que acaba de chegar na Netflix vai te mostrar que nem o tempo é capaz de destruir o amor Virginia Bettoja / Netflix

Romance comovente que acaba de chegar na Netflix vai te mostrar que nem o tempo é capaz de destruir o amor

Relações humanas começam e terminam das maneiras mais inusitadas, ninguém está a salvo dos diversos infortúnios com que nos regala o destino e a vida sempre pode mostrar-se-nos especialmente cruel, sobretudo depois de certa idade, quando os anos são mais rápidos que os dias e levanta-se um tempo de novos significados para as coisas arcaicas, hora de tomarmos consciência de que tudo é, sim, efêmero, de que estamos de fato sós e que por mais prazerosa que esteja sendo a viagem, a estação final pode ser a próxima. “Nuovo Olimpo” não se furta a usar dessas múltiplas abordagens sob perspectivas tão íntimas para, com toda a delicadeza, chegar ao tema mais universal de que alguém já falou. Homossexual assumido, Ferzan Ozpetek recusa o conforto da militância e compõe um filme intenso, controverso, duro, no qual trabalha zonas cinzentas para qualquer um, a despeito de suas preferências. Os dois homens que se encontram — e se desencontram ainda mais — ao longo de cerca de quatro décadas num vaivém que em alguma medida é familiar a todos ignoram a mais básica das lições e, por essa razão, viram reféns de suas lembranças mais funestamente nostálgicas.

Nem é preciso dizer que “Nuovo Olimpo” é baseado numa história real: a história do próprio Ozpetek. O roteiro, do diretor e Gianni Romoli, seu colaborador mais assíduo, volta à Roma de 1978, mais precisamente 1º de novembro daquele ano e mais precisamente ao Fórum Romano à noite, onde um jovem assistente de produção voluntário tenta colocar ordem nos curiosos que se aglomeram na intenção de conseguirem ser notados pela estrela da fita, que acabara que gravar uma das cenas mais extenuantes do cronograma. Cinema é muito mais que trabalho para Enea Monte: é a válvula de escape de que se socorre a fim de continuar no mundo, não jogar tudo para o alto, guardar a fé, crer no amor (ou na ilusão do amor). Ozpetek recorre a tropos quase ingênuos e assim mesmo poderosos no intuito de sempre repisar a importância em sua jornada existencial de telas grandes e poltronas de couro em salas escuras, achando a margem necessária para por a nu e a limpo experiências que certamente têm muito peso no que veio a ser. Os cinemas de há meio século iam muito além de espaços de projeção com pé direito altíssimo e lanterninhas rigorosos; eram verdadeiros refúgios, mormente para rapazes que não se reconheciam em ninguém mais do que uns nos outros, fumando nos corredores e frequentando o banheiro para atividades sexuais fugazes e sem maiores consequências. Tudo isso estava no pacote para Enea, mas não para Pietro, o garoto tímido e até puritano sentado a sua frente. À assombrosa performance de Damiano Gavino junta-se o desempenho de Andrea Di Luigi, que aos 22 e 28 anos, respectivamente, vivem o mesmo personagem no transcurso de um período tão extenso com tamanha convicção que a ninguém ocorre confrontar seus papéis com a idade do documento. É no Nuovo Olimpo do título que tomam corpo as passagens mais lindas do filme, conspurcadas um tanto diante da tolice de se querer destrinchar num único movimento as insurreições populares contra focos de resistência neofascistas e motins do lumpesinato, e é em decorrência dela que Enea e Pietro se separam pela primeira vez, voltando a botar os olhos um no outro muito tempo depois.

Ozpetek reserva para pouco antes do terceiro ato os lances verdadeiramente perturbadores, ora farsescos, ora maniqueístas, mas sempre tocantes. O — de novo — reencontro de Enea, agora um cineasta renomado, com Titti, a bilheteria do Nuovo Olimpo, tem o condão de lançar a narrativa outra vez ao início. Como Gavino, Luisa Ranieri também se muda de uma vamp implacável para uma septuagenária melancólica, ainda mais saudosa da belle époque do templo do cinema de arte da Cidade Eterna durante os anos 1970. Portadora da carta nunca aberta em que Pietro se declara para Enea, Titti refaz seus laços ao passo que os dissolve de uma vez para sempre, magoada com toda a justiça. O acidente de trabalho que quase mutila Enea serve para que o médico Pietro também cure suas feridas.

“Nuovo Olimpo” é um grande filme, mas o diretor malgasta uma excelente possibilidade de final para ressuscitar à força o amor de seus protagonistas — manobra que qualquer um reputa forçada, não obstante a trilha lembrar Henry Mancini (1924-1994) em “Os Girassóis da Rússia” (1970), de Vittorio De Sica (1901-1974). O que não se nega em hipótese alguma é a beleza da homenagem de Ozpetek ao cinema, que também nos vê e nos abriga de nossas tempestades de areia.


Filme: Nuovo Olimpo
Direção: Ferzan Ozpetek
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 8/10