Tesouro inestimável do cinema europeu, um dos melhores filmes do ano acaba de chegar na Netflix Daniel Escale / Netflix

Tesouro inestimável do cinema europeu, um dos melhores filmes do ano acaba de chegar na Netflix

Embora eu não tenha assistido ao primeiro filme de Paco Plaza sobre irmã Morte, “Verónica” (2017), sua espécie de preâmbulo para a história, o recém-lançado “Irmã Morte”, é um terror bem consistente e amarrado sobre a personagem que dá nome ao filme, uma noviça chamada Narcisa (Aria Bedmar). Considerada milagrosa durante a infância, Narcisa se muda para um convento quando jovem, onde é confrontada por um espírito ressentido.

A história se passa no pós-Guerra Civil Espanhola. O convento é um palácio medieval misterioso em um lugar ermo e cercado de bosques, onde meninas são educadas e oprimidas por um grupo idoso e fanático de mulheres religiosas. Países hispânicos exercem com maestria sua habilidade de contar histórias de terror de cunho religioso, provavelmente por sua cultura extremamente arraigada no cristianismo e cujos folclores e lendas acabam girando em torno dessas figuras eclesiásticas, que são bons nutrientes para essas tramas.

Em “Irmã Morte”, Narcisa é uma mulher empática, sensível e humilde. Após encontrar uma maleta com alguns pertences de uma falecida freira, ela começa a sentir forças sobrenaturais rondarem os cantos, corredores e paredes da fortaleza de pedra. Abalada com a presença que se esgueira onde quer que ela vá, Narcisa confessa ao padre que não sabe se está pronta para o que seja lá que a aguarda no convento. O padre diz que ela está perdida, mas a aconselha de forma simplista e superficial, como se quisesse dar o assunto por encerrado.

No entanto, sonhos e visões macabras começam a atormentar Narcisa, colocando sua sanidade em jogo. Quando duas alunas trazem à tona a lenda da “menina”, um suposto fantasma que assombra o convento, elas são reprimidas e punidas por Madre Superiora (Luisa Merelas) e irmã Júlia (Maru Valdivielso). Quando uma das garotas aparece morta, a culpa recai sobre Narcisa, que teria alimentado os rumores sobre o espírito vingativo ao dar credibilidade para as duas garotas.

Ao juntar suas malas e sair do castelo, Narcisa olha diretamente para um eclipse solar e queima seus olhos. A experiência física a permite transcender ao espiritual e retornar ao convento durante a invasão de soldados anos antes, que saquearam e vandalizaram o lugar, profanando o sagrado e violentando irmã Socorro, dona da maleta encontrada por Narcisa em seu quarto. Uma visão trágica revela um passado doloroso e que o convento tentou manter encoberto. No entanto, erros precisam ser reparados para livrar o lugar da terrível maldição que o ronda.

O enredo de Jorge Guerricaechevarría é requintado, sucinto e organizado, embora complexo e inteligente. Não há uma tentativa de florear a história ou criar firulas visuais para explicar o passado de irmã Socorro. Todas as pontas se amarram de forma precisa e modesta, alcançando um resultado narrativo envolvente e crível. A fotografia de Daniel Fernández Abelló é igualmente elegante e minimalista, brincando com chiaroscuro e priorizando paletas monocromáticas.  

O terror cresce mais internamente no espectador que externamente, na tela. É algo que o filme vai semeando aos poucos na emoção do público. Não é necessário sustos, figuras demoníacas macabras ou outros efeitos com intuito de criar o pavor. Na verdade, o sentimento que mais provoca é angústia e tristeza. Conforme o mistério se desdobra, o filme nos fala sobre como a religião pode ser sustentada por hipocrisia, usada para restringir e oprimir mulheres e um antro de segredos obscuros e cruéis.


Filme: Irmã Morte
Direção: Paco Plaza
Ano: 2023
Gênero: Terror
Nota: 10