A obra-prima de Pedro Almodóvar, na Netflix, que todo verdadeiro amante de cinema precisa assistir Divulgação / Sony Pictures Classics

A obra-prima de Pedro Almodóvar, na Netflix, que todo verdadeiro amante de cinema precisa assistir

É bela a forma como Pedro Almodóvar se comunica. É como se criasse um novo idioma, capaz de unir pessoas de diferentes lugares do mundo. É fácil se sentir à vontade na presença de seus filmes, capazes de comunicar com cada um de nós de várias formas. Inspirado por histórias de escritoras mulheres, inclusive Almodóvar utiliza o enredo básico de uma história de Dorothy Parker, para costurar em “A Flor do Meu Segredo” sua trama melancólica que acompanha a jornada de Leo Macías (Marisa Paredes), uma mulher apaixonada e solitária, escritora bem-sucedida e centro das atenções das pessoas que a cercam. Por demandar tanta atenção, inclusive, seu relacionamento com o marido, Paco (Imanol Arias), está à beira de um colapso.

Paco é um oficial militar na Otan durante um trabalho humanitário na Guerra da Bósnia. Vivendo em Bruxelas, seu contato com a esposa, Leo, é pequeno. A natureza melodramática, pessimista e carente de Leo desgastou o amor de Paco, que agora prefere viver distante, mas não tem coragem de dar um fim ao relacionamento. Com o casamento cada vez mais próximo do fim, Leo, que ainda ama Paco desesperadamente, se torna ainda mais sombria e depressiva, sugando energia de sua funcionária, Blanca (Manuela Vargas), e de sua amiga Betty (Carme Elias), uma psicóloga que trabalha dando seminários para médicos sobre como dar notícias e diagnósticos ruins aos seus pacientes e familiares.

Incapaz até mesmo de tirar uma bota apertada sozinha, presente de Paco, Leo se coloca a vagar pelas ruas, telefonando para Blanca no dia de sua folga e aparecendo durante uma reunião de Betty, apenas para que a amiga tirasse seus calçados. Mas as botas representam Paco, uma dor ardente e incessante, mas também um objeto que não lhe cabe, não traz conforto, não se adequa mais em sua vida.

Por indicação de Betty, Leo começa a escrever uma coluna de literatura publicada no El País, editada por Ángel (Juan Echanove), que pede à Leo que faça uma crítica da nova antologia de obras de Amanda Gris, uma autora popular de romances fúteis. Leo faz um texto detonando a escritora, que surpreendentemente é ela própria sob um pseudônimo.

Em sua máquina de escrever, Leo também havia datilografado seu mais recente manuscrito, rejeitado por sua editora por não se encaixar no perfil otimista e superficial de Amanda Gris. As páginas são roubadas por um indivíduo misterioso, que vende os direitos da história que em breve será transformado em um filme de Bigas Luna.

Durante uma folga de um dia de Paco, ele retorna para casa. Mas as 24 horas se tornam apenas duas, depois que ele e Leo se confrontam e dolorosamente selam o fim de seu casamento. À beira de um ataque de nervos, ela decide voltar para o interior, na região de La Mancha, com sua mãe. Terra natal de Almodóvar, sua personagem se reencontra naquele espaço simples e familiar, distante da deslumbrante Madrid, mas mais perto da realidade. Se reconectando com suas raízes e com mulheres que fizeram parte de sua formação, Leo reergue-se de sua decandência mental e escreve dois novos romances que são logo aceitos por sua editora. De volta à Madrid, ela descobre que sua habilidade de amar não foi enterrada junto com seu casamento com Paco e que a vida oferece sempre novas possibilidades de recomeços.

“A Flor do Meu Segredo” é muito mais dramático que cômico, destoando um pouco de obras predecessoras. Apesar das cores saturadas que conhecemos de Almodóvar, aqui não vemos tantas tonalidades coloridas como é comum em seus trabalhos. Aqui, vemos um lado um tanto obscuro e até melancólico do cineasta, que se arriscou expondo que dentro de si também há tons escuros, não somente os reluzentes e alegres. Os rostos de seus personagens surgem, em muitos momentos, emoldurados em espelhos ou aprisionados atrás de grades, possivelmente uma referência à prisão enfrentada por sua heroína às aparências e superficialidades de se sustentar financeiramente com obras que considera vazias. Será que Almodóvar também está falando sobre si mesmo? Leo está bem próxima da complexidade e das neuroses cotidianas, o que torna seu trabalho sensível e relacionável.


Filme: A Flor do Meu Segredo
Direção: Pedro Almodóvar
Ano: 1995
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 9/10