Thriller psicológico que acabou de chegar à Netflix foi aplaudido de pé e tem 100% de avaliações positivas

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Traumas de infância têm o condão de perdurar por um tempo que muitas vezes parece inalcançável, até que começam a render memórias incômodas demais, prolongando um sofrimento que se retroalimenta, cresce do que julgávamos morto, nos envenena e, por fim, quem morre somos nós. O instinto de sobrevivência garante que consigamos resistir a esses corpos estranhos, mas atingido certo limite, o organismo parece que se encarrega de livrar-se de todo aquele lixo, à custa de um sofrimento diferente, rigoroso, que nos faz maduros ou velhos antes da hora, a depender da forma como captamos esses sinais.

No caso da personagem-título de “Blanquita”, tudo quanto a protagonista do filme do chileno Fernando Guzzoni vivencia tem relação com aspectos particularmente duros de sua história, e a partir dessa evidência, passa a entender o contexto em que está inserida na sua sociedade que a despreza. Guzzoni investiga aspectos muito específicos da luta das mulheres por igualdade na América Latina, sobretudo em seu país, ainda hoje um desaguadouro dos lamentos de uma terra encantada que não deu certo, onde vampiros preconceituosos e truculentos deixaram um sulco marcado demais.

Uma garota está sentada na cama onde dorme um bebê. Pouco depois, surge um rapaz como se possuído por um demônio qualquer e que a enfrenta como se os dois não pudessem habitar o mesmo espaço, materializando o primeiro grande conflito do enredo. Leva mais alguns instantes até que o diretor-roteirista comece a explicar o motivo de tamanha hostilidade de Carlos para com a tal garota do princípio da cena, Blanca Yáñez. Carregando no corpo e principalmente no espírito as chagas de episódios de exploração sexual, Carlos ainda cede aos apelos de Blanquita, a única moradora do abrigo para menores vulneráveis e situação de rua em que dois estão internados que verdadeiramente se importa com sua sorte.

Muitos deles também encontram refúgio do proxenetismo e do aliciamento ao tráfico na instituição, coordenada pelo padre Manuel, uma performance sempre vívida de Alejandro Goic, que já detalhou em algumas entrevistas como foi torturado quando passou pelo cárcere durante a ditadura Pinochet (1973-1990). Guzzoni entra com mais ímpeto nessa vertente de seu trabalho ao descortinar um esquema muito bem-constituído de crianças empregadas em orgias frequentadas por políticos, com a conivência da polícia e da Igreja.

O terceiro guarda uma reviravolta quanto ao namoro violento de Blanquita e Marco, o ex-interno a que Nicolás Durán dá vida, momento em que Laura López Campbell também diz, afinal, a que veio. Mas o grande choque toma-se mesmo no derradeiro segundo, quando uma tela negra informa que tudo aquilo de fato aconteceu: trata-se da vida de Gema Bueno, que nunca conseguiu que sua queixa de abuso e violência sexual fosse apreciada pelos órgãos competentes.


Filme: Blanquita 
Direção: Fernando Guzzoni
Ano: 2022
Gêneros: Drama
Nota: 8/10