O filme que mistura Frankenstein, lobisomens e vampiros e faturou 1,5 bilhão de reais está na Netflix Divulgação / Universal Studios

O filme que mistura Frankenstein, lobisomens e vampiros e faturou 1,5 bilhão de reais está na Netflix

“Mantenha seus amigos por perto — e seus inimigos por mais perto ainda”. Embora não se possa dizer que Gabriel Van Helsing seja do tipo gregário, que tem prazer em cativar amizades, este éumlema que encaixa-se-lhe à perfeição, e “Van Helsing — O Caçador de Monstros” leva o espectador pelas andanças dessa criatura quase inclassificável, meio homem, meio fera, embrenhando-se na natureza demoníaca do adversário número um de vampiros, lobisomens, bruxas e feiticeiros, ofício que o obriga a correr mundo, sem nenhuma garantia de sucesso. Experiente, Stephen Sommers mexe as peças exatas a fim de conseguir o resultado que se vê na tela, uma história que nunca tenta esconder seus flertes com o absurdo, ao passo que vale-se de um humor bem sutil para sublinhar a porção humana de seu anti-herói.

Diretor dos lúdicos “As Aventuras de Huckleberry Finn” (1993) e “O Livro da Selva” (1994), a lúdica adaptação da publicação homônima de Rudyard Kippling (1865-1936), levada ao prelo em 1894, Sommers virou a chave para o terror e o gore, o subgênero no qual se espirra sangue na plateia sem a menor cerimônia, a partir de “Tentáculos” (1998), sobre uma lula gigante que investe contra um navio de cruzeiro, e depois em “A Múmia” (1999), que de tão bem-recebida deu azo a “O Retorno da Múmia” (2001). Nota-se no trabalho do cineasta a influência do James Whale (1889-1957) de “A Noiva de Frankenstein” (1935), e de “O Jovem Frankenstein” (1974), com Mel Brooks em pleno fulgor de sua tresloucada criatividade. Mas “O Caçador de Monstros” tem uma personalidade para chamar de sua.

O preto e branco de Allen Daviau no prólogo dá a audiência a sensação de um passado distante. Na Transilvânia de 1887, uma horda de fanáticos persegue uma figura de aspecto teratológico brandindo foices e tochas. Pode ser que tenha vindo daí a inspiração de Yorgos Lanthimos para as primeiras de seu fabuloso “Pobres Criaturas” (2023), uma exageração proposital dos desconfortos da humanidade consigo mesma, porém aqui não há todo aquele espaço para lirismo.

O monstro de Sommers é encurralado num moinho e a construção, incendiada, a deixa para que o ambíguo Van Helsing surja e prometa ao doutor Victor Frankenstein interpretado por Samuel West uma solução, mas não sem antes procurar pelo senhor Hyde de Robbie Coltrane, encafuado na catedral de Notre Dame. Como não se sai muito bem nessas duas missões, ele vai parar na Cidade do Vaticano, onde recebe armamento de última tecnologia financiado por uma seita oculta, uma Opus Dei ainda no ovo que vê no avanço das experiências do personagem de West um grande risco para a fé católica. 

Se até aqui Van Helsing estava mais para um lobo solitário, um justiceiro sem método que apenas buscava encarregar-se da tarefa que julgava sua razão de existir, Hugh Jackman passa a conferir ao protagonista uma atmosfera mais humanizada, impressão que se ratifica no momento em que Anna Valerious cruza seu caminho. Junto com o irmão Velkan, na pele de Will Kemp, Anna é membro da última das nove gerações para as quais só a morte de Drácula permitiria virar a página e dar-se ao luxo de pensar numa vida serena noutra dimensão, tendo em perspectiva que matar o rei dos vampiros implica acabar também com seus súditos. Kate Beckinsale agrega ao desempenho de Jackman, sopesando a dureza de Van Helsing com alguma ternura, malgrado os dois venham a compor a dupla sanguinolenta muito mais afinada por princípios morais e uma utopia em comum que por desejo ou aspirações românticas. E nem mesmo a onipresente computação gráfica é capaz de obnubilar a mensagem nem tão secreta de que o desconhecido precisa ser caçado.


Filme: Van Helsing – O Caçador de Monstros
Direção: Stephen Sommers
Ano: 2004
Gêneros: Terror/Ação
Nota: 8/10