Este thriller arrepiante na Netflix vai desbloquear seus medos mais profundos e te deixar à beira de um ataque de nervos Divulgação / Blumhouse Productions

Este thriller arrepiante na Netflix vai desbloquear seus medos mais profundos e te deixar à beira de um ataque de nervos

Todo sonho sempre vem acompanhado de medos, que, no fundo, prestam-se a uma estratégia do inconsciente quanto a refrear vontades as mais tresloucadas, que podem levar-nos do Céu ao Inferno antes que nos demos conta. Os anseios dos personagens de “Sobrenatural: A Última Chave” pouco têm de realidade, e esse é seu grande predicado: quanto mais o diretor Adam Robitel intensifica as vesanas expectativas de seus personagens, mais aliviado sente-se o público, que entende as várias atribulações da vida — ora deveras opressivas, ora menos excruciantes, porém nunca desprezíveis — como oportunidades de revisitar sentimentos arcaicos (e sábios) de um passado que insiste em não passar, talvez para robustecer em nós uma urgência de autopreservação e fazer-nos capazes de encarar nossas zonas cinzentas, perigosas, justamente onde moram os inimigos silenciosos que podam-nos as asas. Esses começos e recomeços de ciclos, essas chances de, novamente, regressar à inércia do congelamento do espírito, sensato, estéril e progressivamente avassalador, ficam como a envenenar a seiva de uma existência já meio doente, malgrado nem tudo esteja perdido. Ainda.

O caminhão do necrotério municipal avança rumo à Penitenciária Estadual de Dewbend, Novo México. É 5 de março de 1953, e no noticiário da televisão só se fala da morte de Josef Stalin, o líder soviético de origem georgiana nascido 75 anos antes, sem que a pacata comunidade local entenda muito bem que importância pode ter o passamento de um facínora do outro lado do mundo quando não conseguem arcar com suas próprias questões. Falar de Stalin decerto foi o jeito que o roteirista Leigh Whannell encontrou para deixar ainda mais clara a ideia de transformações iminentes num mundo sempre caótico, mencionando a atuação dos bolcheviques em contraste às ambições internacionalistas do Komintern, de Lenin, que visava a reunir partidos comunistas de diferentes países. Alheios aos delírios totalitários que dominam o homem desde tempos imemoriais, uma família comum encerra mais um dia, e a menina Elise Rainier dedica-se a seu hobby, drenar da mente um tanto confusa o pântano que hebeta-lhe o raciocínio. A direção segura de Robitel dá a Ava Kolker os elementos necessários para a composição da personagem central, que torna-se peça onipresente na trama do segundo ato em diante. Transcorrem mais de seis décadas, e Elise, agora na pele da excelente Lin Shaye, parece mortalmente desconfortável, vítima de uma daquelas violências que o destino inflige-nos de quando em quando. Depois de vencer preconceitos de toda ordem e ter conseguido externar o dom de ver o que não se revela, a médium mais famosa do sudoeste americano é torturada por acontecimentos infelizes ao voltar à casa em que viveu a infância.

A fotografia de Toby Oliver, puxando para tons de azul ora brilhante, ora fosco, ratificam a importância dessas minudências para além de efeitos visuais. O diretor vai reunindo toda informação de que dispõe de modo a suscitar o espectador a memória dos outros três filmes anteriores da série, enquanto deixa claro por que este é o xodó dos fãs: justamente porque abdica tanto de obviedades. Dirigido por Patrick Wilson, “Sobrenatural: A Porta Vermelha” (2023), é o possível último lance de uma saga que envelheceu bem. Como Elise Rainier.


Filme: Sobrenatural: A Última Chave
Direção: Adam Robitel
Ano: 2018
Gênero: Terror/Thriller
Nota: 8/10