Quando Hollywood carece de novas ideias, requenta, com maior ou menor acerto, boas tramas, na esperança de, ao menos, mobilizar os fãs mais ardorosos, os mesmos que costumam estrilar diante de novidades revolucionárias demais. A versão de 2022 de “Pânico” lembra tudo quanto de macabro os assassinos Stu Macher e Billy Loomis já aprontaram em Woodsboro, no Médio Atlântico dos Estados Unidos, refinando aqui e ali o fundo da história. Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett transformam hospitais ultramodernos nas casas mal-assombradas dos enredos de John Carpenter, guardando para o terceiro ato referências ainda mais patentes, sem perder de vista seu próprio filme. Contam a favor do roteiro de James Vanderbilt e Guy Busick — que seguem com rigor as coordenadas do texto original de Kevin Williamson — as mediações intuitivas do afinado elenco, competente em aproveitar o que já se sabe há 26 anos e em descobrir um outro jeito de viver as mesmas emoções, exercício em que é seguido, claro, pelo público, o de ontem e o de hoje, como se ninguém pudesse arriscar um palpite para o fim.
Um telefone que toca com insistência a horas pouco civilizadas talvez seja o recurso cênico mais batido e mais eficaz quanto a despertar o público para o suspense de uma história, e em se tratando de um filme de terror, ninguém espera menos que conclusões equivocadas da ingênua mocinha, gritos e sangue, muito sangue. E é precisamente isso o que Bettinelli-Olpin e Gillett tiram de Vanderbilt e Busick, com a Tara Carpenter de Jenna Ortega rendendo-se à tentação de convidar uma amiga para uma noite em sua casa, uma vez que os pais estão viajando e sequer tomaram o cuidado de esconder as bebidas. Enquanto responde a um aplicativo de mensagens no celular, o aparelho fixo permanece chamando, sem identificar o número de onde parte a ligação. Finalmente, quando resolve-se por atender, Tara se estende numa conversa com alguém que se diz membro de tal grupo, do qual a mãe também faria parte, e ela imagina que haja um possível romance a ligá-los. Convincente na pele da pobre menina rica, uma garota um tanto melancólica negligenciada pelos pais e fazendo tudo para chamar a atenção, Ortega coloca em prática os dotes artísticos que vem podendo burilar com merecido espaço em “Wandinha” (2022), a série em que Alfred Gough e Miles Millar esmiuçam as saborosas contradições da primogênita dos Addams, a família de seres das trevas criada por Charles Addams (1912-1988) e David Levy (1913-2000). Naturalmente, “Pânico” não gira em torno das jumentices de Tara, e quando o sistema de vigilância da casa sofre uma pane e entra em cena o assassino, com aquela máscara que remete ao homem desesperado do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) na série “O Grito” (1893), Woodsboro revive o pesadelo de quase três décadas atrás. A heroína de Ortega escapa, mas a abnegada xerife Judy Hicks, de Marley Shelton, é uma das vítimas que melhor resumem a psicopatia do maníaco.
Embora não pareça, Tara é capaz de encarar o jogo injusto e cheio de metarreferências de Bettinelli-Olpin e Tyler, enfrentando o carniceiro mascarado com as armas que ele mesmo oferece. No fim, uma homenagem a um certo Wes deixa claro: “Pânico” se basta.
Filme: Pânico
Direção: Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett
Ano: 2022
Gêneros: Terror/Thriller
Nota: 8/10