Estreia eletrizante: filme africano inspirado em Tarantino vai te deixar sem fôlego

Estreia eletrizante: filme africano inspirado em Tarantino vai te deixar sem fôlego

Remetendo à ideia de que todos nós, em algum momento da vida, encampamos outras identidades — sendo que com alguns isso se dá ao longo de toda a vida —, “iNumber Number — O Ouro de Joanesburgo” funde produções do gênero, a exemplo dos longas da franquia “Bad Boys”, à escola de Quentin Tarantino, puxando para o enredo de “Cães de Aluguel” (1992) com a estética de “Kill Bill”. O filme do sul-africano Donovan Marsh consegue, em diferentes ocasiões, que o espectador não se lembre que tem diante de si um thriller sobre os cânceres incuráveis da polícia graças ao talento e ao carisma da dupla de personagens centrais que, como Mike Lowry e Marcus Burnett, os investigadores da polícia de Miami vividos por Will Smith e Martin Lawrence em 1995, 2003 e 2020 (com promessa de um quatro episódio para breve), chegam às ruas com todo o gás, tomam gosto por acossar e botar na cadeia punguistas e chefões do submundo, erigem uma carreira sólida, são louvados pela boa reputação, até que, transcorridos dez anos, alguma coisa se quebra. No primeiro filme, de 2013, Marsh já fornecia ao espectador pistas sobre para onde a história poderia ir, com os incessantes dilemas morais a torturar Chili Ncgobo e Shoes, os tiras de S’dumo Mtshali e Presley Chweneyagae. Agora, como já se poderia antever, cada qual enfrenta a questão de maneiras diametralmente opostas, ainda que, como na parceria hollywoodiana, nunca se desliguem um do outro por completo.

O roteiro de Marsh abre com a sugestão de que a cidade mais importante da África do Sul pode ser tão estimulante do ponto de vista criminológico quanto o balneário da região mais meridional dos Estados Unidos, mas o que se nota que é Joanesburgo, megalópole mais de dez vezes mais populosa que Miami, sofre de problemas de ordens diversas, como a concentração de renda escandalosamente injusta, a máfia disseminada pelas frações mais amplas da sociedade e, por evidente, seu resultado mais objetivo e mais sombrio, a corrupção policial. Para detê-la, o comandante interpretado por Deon Lotz escala Chili, atravessando a ponte Nelson Mandela a bordo de um Cadillac vermelho, para estourar o baile à fantasia promovido em homenagem ao zero um do cartel local, mas o sucesso da operação é uma incógnita, uma vez que a velha prática de conduzir suspeitos à delegacia para vê-los sair pela porta de frente horas depois tem se revelado especialmente arriscada, porque bandidos tem subornado as autoridades com propinas cada vez mais carnudas. Na intenção de aclarar os desdobramentos da festa, dispostos ao longo dos 113 minutos de projeção, o diretor-roteirista lança mão de um flashback rápido e volta uma semana, mostrando de forma Chili e o parceiro seguiram a vida, argumento muito semelhante ao dos filmes protagonizados por Smith e Lawrence. A partir daqui, Chweneyagae assume as rédeas da trama central na pele do agente acima de qualquer suspeita, que honra o distintivo, respeita a sociedade que paga-lhe o salário e a defende até a própria vida, se preciso, ao passo que o anti-herói de Mtshali quer garantias concretas de uma velhice tranquila, sem, claro, renunciar aos luxos a que foi se aferrando. E isso custa-lhe caro.

Mesmo na derradeira sequência, momento em que Shoes comete a única transigência legal da carreira, ele é arrastado por uma razão nobre. É o gancho de que Marsh precisava para acenar para o próximo capítulo de seu bom trabalho.


Filme: iNumber Number — O Ouro de Joanesburgo
Direção: Donovan Marsh
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Thriller/Drama
Nota: 8/10