Por mais dinheiro que alguém tenha, não se pode nunca saber o que a sorte tem a nos ofertar. O protagonista de “Uma Linda Vida” é uma dessas pessoas que vão tendo seus encontros e desencontros num intervalo talvez breve demais, e, também por essa razão, quando sente próxima a chance de uma virada, não consegue evitar o medo. O irano-dinamarquês Mehdi Avaz parece ter a fórmula para levar um filme tão delicado a pontos de tensão quase palpável, deixando que a narrativa ache seu curso sem sua interferência. Como não poderia ser de outro modo, Avaz saca o elemento romântico no momento exato, sem jamais abdicar do teor fatalista do enredo, que divide espaço com o desenvolvimento amoroso sem perder o sentido.
O diretor trabalha o argumento de Stefan Jaworski de forma a revestir a história da aura de conto de fadas moderno, com alterações óbvias. Já na abertura, o filme já mostra para onde deve ir, e Elliott, o mocinho interpretado sem esforço por Christopher Nissen, um músico de relativo sucesso na Dinamarca, esfalfa-se numa doca, enchendo e descarregando bandejas de peixes numa manhã ensolarada, porém fria. Pela conversa que Elliott mantém com o gerente do cais, depreende-se que está em apuros de dinheiro, e as próximas sequências, quando a trama dá indícios de que vai, afinal, destrinchar melhor essa figura meio nebulosa, o público tem uma noção mais realista da agonia que guarda para si. O chavão do sujeito durão, um tanto ensimesmado, melancólico, que resiste aos golpes da vida sem se queixar, como se essa fosse a sina da qual não pode — e nem deve — fugir, cai bem ao porte de Nissen, que, justiça se lhe faça, seduz, mas não se deixa seduzir, exatamente como os anti-heróis a que Paul Newman (1925-2008) deu vida ao longo de toda a carreira. Desse ponto em diante, percebe-se com mais clareza essa metamorfose de Elliott, que vislumbra a oportunidade de ganhar a vida com seu talento, ao passo que é desafiado a encontrar uma saída honrosa para a relação com Oliver, o amigo com quem já desfrutou momentos de glória, mas que tem se revelado um estorvo. Sebastian Jessen acrescenta muito ao que Nissen conseguira mostrar até então e prepara o filme para um segundo ato luminoso, mas que não se conforma com soluções fáceis.
O carisma de Nissen é, sem dúvida, o que não permite que se esfarele o interesse do público por um enredo quase simplório. No começo do terceiro ato, um incêndio define a vida — e o resto da vida — do protagonista, e malgrado Avaz pareça aferrado à imagem de recomeço da maneira mais radical, essa guinada demasiado brusca fica parecendo um castigo muito severo pela postura nada sublime de Elliott a um certo pacto que estabelecera com Oliver. A gravação do clipe, no derradeiro lance, o redime, com direito a um romance meio forçado com Lilly, a filha de sua empresária, com Inga Ibsdotter Lilleaas num desempenho convincente.
Filme: Uma Linda Vida
Direção: Mehdi Avaz
Ano: 2023
Gêneros: Musical/Drama/Romance
Nota: 8/10