Um dos filmes mais perturbadores do cinema, nos últimos anos, acaba de chegar à Netflix Divulgação / Stage 6 Films

Um dos filmes mais perturbadores do cinema, nos últimos anos, acaba de chegar à Netflix

Famílias obedecem a dinâmicas muito particulares quanto à morte, que cedo ou tarde acaba por dobrar a esquina, como se dá com todo mundo. Desde o início, resta evidente que alguma de macabro há de acontecer em “The Lodge”, mas os austríacos Severin Fiala e Veronika Franz conseguem pôr abaixo muitos dos palpites em cenas que nunca dizem exatamente onde podem desembocar. Naturalmente, conforme se vê que alguma coisa discrepa da normalidade mais básica no que toca ao comportamento de uma mãe e seus filhos, e, o mais importante, à maneira como essa mulher amargurada conduz sua relação com o ex-marido e a nova vida pela qual ele optara, qualquer possível surpresa quanto a uma tragédia iminente se enfraquece. Assim mesmo, Fiala e Franz sabem muito bem por onde devem passar a fim de chocar o espectador, ainda que certas decisões pareçam um tanto artificiosas. 

As fixações sobre madrastas como usurpadoras de lares cujos sonhos de compreensão e harmonia e tornaram-se apenas um raio de sol num dia nublado fazem-se presentes no roteiro dos diretores, assinado com o ítalo-escocês Sergio Casci. Fiala e Franz, sobrinho e tia, dominam o tema sob perspectiva as mais diversas, acrescendo, em doses homeopáticas, o elemento de sobrenaturalidade que passa a definir a história em dado momento. Na abertura, a impecável fotografia de Thimios Bakatakis contrapõe o frio do ambiente externo, com um branco cintilante que vira também uma fonte de desconforto perene, ao castanho aveludado das paredes de madeira de uma choupana no meio do nada, em Worcester, Massachusetts, no Centro-Sul americano. Esse expediente, certeiro, também usado em produções congêneres a exemplo de “Estou Pensando em Acabar com Tudo” (2020), de Charlie Kaufman, também contribui para dar a medida do paralelismo absurdo entre Laura, a mãe triste de Alicia Silverstone, aplicada como sempre — embora tivesse muito mais a oferecer —, e Richard, com quem fora casada alguns anos e pai de seus dois filhos. Laura e o personagem de Richard Armitage parecem habitantes de universos impenetráveis entre si, e é cada vez mais difícil acreditar que tenham sido felizes juntos, e num passado recentíssimo, além do fato da melancólica Laura habitar uma casa clean, arejada, cheia de luz, e Richard, um tipo inegavelmente solar, preferir se encafuar num chalé onde o vento faz a curva. Os diretores valem-se de cenas tensas, sem dúvida, mas também delicadas a fim de deixar explícita a inadequação dessa mulher em sua nova pele; quando Mia, a filha caçula vivida por Lia McHugh, ofende a atual companheira do pai, Laura não a repreende. Aiden, o mais velho, de Jaeden Martell, parece desinteressado, mas está perigosamente atento ao calvário da mãe.

Do segundo ato em diante, depois que Laura, sem ter a mais pálida ideia de como reagir ao golpe traiçoeiro que a sorte lhe desferira, toma uma atitude radical e sai de cena barbaramente, Riley Keough toma o filme para si. Grace — nome já meio surrado para personagens dessa natureza —, a namorada de Richard, surge primeiro como a clássica mocinha injustiçada, ansiosa por entender-se com enteados, mas rejeitada com virulência crescente. Quando as crianças desistem das travessuras diabólicas com que tentavam afugentá-la, é tarde demais, e tanto num como no outro cenário, Keough, dona da beleza da mãe e talentosa feito o avô, supera qualquer expectativa. A loucura que acomete sua personagem, ainda mais nefasta que aquela que transtorna a protagonista de “Boa Noite, Mamãe” (2014), degringola, por óbvio, em pranto convulso, atingindo justamente o responsável pela reviravolta original, na visão de Mia e Aiden.


Filme: The Lodge
Direção: Severin Fiala e Veronika Franz
Ano: 2020
Gêneros: Thriller/Terror
Nota: 8/10