O filme perfeito da Netflix para aqueles dias em que você quer apenas relaxar Divulgação / Netflix

O filme perfeito da Netflix para aqueles dias em que você quer apenas relaxar

Casais sempre têm suas rusgas injustificadas; seus acessos de raiva ou de afetos ressequidos, como se tivessem sido forçados a esperar milênios para se verem livres de uma amarra qualquer; os descompassos que os limitam e os vão reduzindo à sombra do amor que os unira, num pretérito mais-que-perfeito, mas cuja jornada resta finda de todo modo. Atravessando uma das tantas fases de um relacionamento que, embora incipiente, se redime pelo cinismo, arrasta-se firmado pela mágoa grande ou pequena que teima em ficar e os regala com eventos que poucos suportam. “Um Crime para Dois” já traz no título a contradição que seus protagonistas têm de vencer. Michael Showalter tira do eixo central da história questões como a possível discriminação racial que podem sofrer um homem de ascendência paquistanesa e uma afro-americana — e que seria tanto maior quando aparecem juntos — e prefere frisar impedimentos que acometem gente de todas as origens, culturas e sangues, moldando o argumento, por óbvio, de forma a que se encaixe na premissa vislumbrada ao primeiro olhar.

Adoráveis desencontros do primeiro encontro de Jibran e Leilani, o antimocinho e a antimocinha vividos com garbo por Kumail Nanjiani e Issa Rae, desdobram-se nas diatribes furiosas que dirigem uma ao outro quatro anos depois, pelas motivações mais tolas. A sequência inicial do roteiro de Aaron Abrams, Brendan Gall e Martin Gero dá a entender que um inocente jantar foi capaz de azedar de vez a relação já tão avinagrada, reforçando a surrada ideia de que só se nota que o momento em que não é mais possível se estar com uma pessoa quando esse convívio passa a cheirar mal — há medidas muito bem dosadas de escatologia em “Um Crime para Dois”, que portanto não interditam em nada a boa experiência do público o mais leigo com o filme. Muito experiente em assuntos que tocam amores e suas trapaças em graus muito mais incendiários, a exemplo do que se assiste em “Os Olhos de Tammy Faye” (2021), protagonizado por Jessica Chastain, ganhadora do Oscar de Melhor Atriz pela personagem-título em 2022, Showalter quebra pretensas obrigações com o estabelecido ao ligar as duas pontas de seu filme, o amor e atividades criminosas paralelas, nas quais Jibran e Leilani não têm nenhuma participação, que se diga, por meio de uma virada tão simplista como engenhosa, porta de entrada para o nonsense de quase todas as outras subtramas que intercorrem.

Os personagens de Nanjiani e Rae começam a ser caçados graças ao mal-entendido que sustenta todo o filme não sem uma boa pitada de artificialismo, momento em que são “denunciados” pela hipster doidivanas de Catherine Cohen num beco suspeito de Nova Orleans, um dos grandes momentos do longa. Vão conseguindo sair pela tangente até que, claro, os capangas de Bigode, o policial corrupto muito bem interpretado por Paul Sparks, botam-lhes as patas por cima. Showalter aproveita a oportunidade perfeita a fim de começar a recrudescer o elemento gonzo da história, quando torna-se vívido seu interesse em fazer seus protagonistas suplicarem por misericórdia. E ela vem, tardiamente: nas cenas pós-créditos, o diretor reserva a esse casal nada paradigmático uma promessa de felicidade, que pode se traduzir numa franquia de audiência fiel.


Filme: Um Crime para Dois
Direção: Michael Showalter
Ano: 2020
Gêneros: Romance/Comédia/Ação
Nota: 8/10