Último filme de uma das franquias mais amadas da história do cinema acaba de chegar à Netflix Divulgação / Lionsgate

Último filme de uma das franquias mais amadas da história do cinema acaba de chegar à Netflix

De quando em quando, cineastas fazem um retrospecto de sua obra. Filmes lançados há quase trinta anos também passam a apresentar suas rugas, suas cãs, suas dificuldades de adaptação, até que aparece o segundo e o atualiza, e o terceiro, o quarto, e se assim é, naturalmente o público tem grande influência nesse processo. “O Balconista 3” coroa uma franquia de relativo êxito iniciada quase trinta anos antes. Em 1994, Kevin Smith conseguiu atrair os olhos da indústria ao lançar uma comédia de situações acerca da vida de Dante e Randal, dois jovens caixas de uma loja de conveniência em Leonardo, cidadezinha de Nova Jersey, nordeste dos Estados Unidos. Por meio de um filme despretensioso, artesanal, Smith foi capaz de dar a seu então incipiente público uma noção das agonias, dos anseios, das limitadas possibilidades de dois homens no começo da vida, cheios de sonhos e sufocados pela vida como ela é. Doze anos depois, Dante e Randal eram trintões tão perdidos quanto antes — sem poder mais justificar seus fracassos apenas pela inexperiência —, mas ainda resistindo num trabalho igualmente mecânico, malgrado pleno de mais oportunidades. 

Os dois agora cinquentões protagonistas da sequência estão visivelmente alquebrados pelo tempo, e outrossim é nítido o cansaço da história — e dos próprios atores. O texto de Smith joga bem com a dicotomia de mostrar Brian O’Halloran e Jeff Anderson sem sobrevalorizar o pretenso heroísmo de seus personagens centrais, em especial o Randal de Anderson, vítima da trapaça da vida que dá azo ao argumento que move o enredo. A abertura com recordações de família, a opção por não deixar que a câmera perca a icônica fachada do Quick Stop, a partida de hóquei e, o principal, a trilha de James L. Venable transportam o público para aquela vidinha singular que os dois levam, marcada pelo convívio com gente ainda mais exótica que eles. Aos poucos, o diretor-roteirista elabora as piadas metalinguísticas que vão se constituindo a própria razão de ser do filme, inclusive com tiradas autorreferenciais, como quando Randal diz que quer dirigir uma história de, no máximo, hora e meia porque odeia filmes longos — “O Balconista 3” tem 140 minutos. Essa guinada no roteiro, voltadas aos novos rumos que um homem decide dar à própria jornada depois de um acontecimento que encerra uma natureza trágica, é trabalhada por Smith à luz do humor que se força a caminhar sempre entre a chanchada e o besteirol, recurso de que Alexandre Lehmann também se valeu em “Paddleton” (2019). As cenas que mostram candidatos que sobem ao palco para dizer um monólogo tão pouco original quanto pertinente, com a participação de celebridades como Sarah Michelle Gellar e Ben Affleck, são a prova de que as três décadas de Randal atrás do balcão do Quick Stop serviram para alguma coisa.

Durante o tal filme sobre a vida do personagem de Anderson, que é também a vida de Dante, desenrolam-se conflitos entre os dois que pareciam improváveis. Nesse segmento, O’Halloran toma a frente em cenas eminentemente dramáticas enquanto o diretor continua a exercitar a sátira mostrando as imagens em preto e branco temperadas com a “Carmen” de Bizet num espetáculo burlesco que por si só já compensa. Sem muito rodeio, Smith conduz “O Balconista 3” a um desfecho nem surpreendente nem tolo, mas que decerto honra o espírito, digamos, gauche do filme. As emoções humanas são mesmo como imprevisíveis como os pássaros.


Filme: O Balconista 3
Direção: Kevin Smith
Ano: 2022
Gênero: Comédia
Nota: 8/10