Baseado em romance de Annie Ernaux, filme desconcertante na Netflix vai te causar reações extremas Divulgação / Magali Bragard

Baseado em romance de Annie Ernaux, filme desconcertante na Netflix vai te causar reações extremas

No começo da década de 1990, a escritora francesa Annie Ernaux publicou seu romance “Pura Paixão”, baseado em uma experiência que teve, à época, com um diplomata russo. Mãe solteira, professora universitária e escritora, ela se envolve sexualmente com um homem mais jovem, casado, misterioso e sensual. Eles mal se conhecem e ele pode desaparecer a qualquer momento sem deixar rastros.

O filme da franco-libanesa Danielle Arbid, adaptado da obra literária, quase não tem diálogos. As imagens retratam a paixão em sua forma mais crua, poética e irracional. Hélène (Laetitia Dosch) é a protagonista, uma mulher inteligente, mais velha e independente que se vê em uma relação obsessiva. Ela está viciada em suas doses semanais de sexo com Aleksandr (Sergei Polunin), que podem ser as últimas. Ele diz que deve parar de vê-la, mas por algum motivo não consegue. Os dois parecem presos a um ciclo insaciável de encontros e reencontros calorosos, mas sem futuro. Ela nunca sabe quando o amante irá ligá-la para uma visita.

Enquanto vive o romance, Hélène começa a perder controle sobre seu comportamento. Se torna uma mãe omissa, apática, que se esquece do próprio filho e deixa de comprar comida para ele. Ela só consegue pensar em Aleksandr, que um dia desaparece repentinamente. Ela fica arrasada, doente e de cama. Logo começa a sonhar acordada com o retorno do amante. Ela se desconecta da realidade e vive, durante meses, à espera de sua ligação. Hélène, então, decide ir até a Moscou procurar pelo amor perdido, mas não o encontra pelas ruas da capital russa.

O filme de Arbid é um misto de paixão inebriante, desespero e vazio. Ela busca expressar como o espírito humano é suscetível aos delírios apaixonados, capazes de nos esvaziar de nós mesmos com o intuito de nos preencher dos instintos mais incoerentes e carnais. É um romance tóxico, porque além de Aleksandr não ser sincero com sua esposa sobre seu relacionamento adúltero, ele deixa Hélène sempre à sua disposição, à espera por seu sinal, provocando dependência emocional na amante e a destruindo psicologicamente quando desaparece.

A primeira metade do filme tem muitas cenas de sexo explícito e amor tórrido. A sensualidade é ampliada graças aos closes que a câmera dá na pele de seus personagens, mostrando de maneira muito clara órgãos sexuais, tatuagens, texturas, beijos ardorosos. A partir da segunda metade, experimentamos com a protagonista a angústia e o vazio da ausência do objeto de desejo.

Para Arbid, não foi fácil adaptar o romance literário para as telas, simplesmente porque não havia uma história. O livro de Ernaux é nada mais que um relato, um relatório de uma paixão fumegante. Mas diante do desafio, Arbid não resvalou. O filme pode até não agradar os admiradores do livro, que o consideram uma obra muito mais intelectual e profunda, mas o longa-metragem não fica tão atrás.

Arbid encontrou uma maneira muito poética de contar uma história de amor que também envolvesse sexo. Em um entrevista, a cineasta afirmou que filmes e livros que misturam romance e erotismo são raros e que “Pura Paixão” é sobre o amor em sua forma mais genuína. Para definir como tomou a decisão de transpor a obra de Ernaux para o cinema, ela citou Claude Chabrol falando sobre Madame Bovary: “Posso até não ser capaz de transformar essa história em filme, mas se eu não tentar fazê-lo, me enxergarei para sempre como um covarde”.


Filme: Pura Paixão
Direção: Danielle Arbid
Ano: 2020
Gênero: Romance
Nota: 7/10