Obra-prima na Netflix disputou o Oscar, foi aplaudida de pé nos cinemas e vai tocar cada cantinho da sua alma Caleb Deschanel / Sony Pictures Classics

Obra-prima na Netflix disputou o Oscar, foi aplaudida de pé nos cinemas e vai tocar cada cantinho da sua alma

Indicado ao Oscar de melhor filme internacional e melhor fotografia, “Nunca Deixe de Lembrar” é dirigido e roteirizado por Florian Henckel von Donnersmarck. Uma obra-prima da cinematografia contemporânea inspirada na vida do pintor alemão Gerhard Richter, a produção não conseguiu autorização do artista para usar seu nome ou suas obras, embora tenham empregado todos os artifícios possíveis para vincular o nome de Richter ao filme durante a divulgação.

Richter é um dos pintores mais conceituados da atualidade e suas obras estão entre as mais caras do mundo, expostas nos mais importantes museus de todo o planeta. Apesar da fama, ele é veemente contra qualquer demonstração pública de sua vida particular, dando pouquíssimas entrevistas e aparecendo raramente em público. Isso provavelmente justifica o fato de não ter aceitado que o filme usasse seu nome.

Aos jornais, ele disse não ter assistido ao filme e criticou o trailer, afirmando que sua biografia havia sido distorcida para criar um thriller. Ao diretor, ele disse que não tinha forças para assistir à produção, já que a história o faria reviver um passado doloroso e traumático. Enfim, agradando ou não ao artista, o filme foi um fenômeno entre a crítica e o público. Mas é a vida que o pintor não gosta de expor que inspira suas obras, caracterizadas especialmente por pinturas fotográficas desfocadas.

Suas pinturas expressionistas representam a memória e identidade no contexto da pós-Segunda Guerra Mundial. O filme de Donnersmarck busca resgatar essas lembranças de infância e da formação da persona do artista para contar uma história que mistura ficção e realidade e entrega uma trama interessante e magnética para o público.

Uma película de mais de três horas de duração, o enredo percorre a infância de Richter, que aqui recebe o pseudônimo de Kurt Barnert (Tom Schilling). Nós, como espectadores não sabemos ao certo onde termina a realidade e começa a ficção, mas o artista realmente nasceu em Dresden, em 1932, e viveu toda sua infância em um país dominado pelos nazistas. Sua tia Marianne, que inclusive tem uma obra de Richter em sua homenagem, no filme recebe o nome de Elisabeth May (Saskia Rosendahl), também existiu e, como conta o longa-metragem, foi perseguida e teve seu espírito esmagado pelos nazistas por sofrer de esquizofrenia.

Ela teria sido uma grande influência para o sobrinho ter se tornado pintor, já que os passeios culturais a museus em que ela o levava balizou todo seu futuro. O longa acompanha a infância com a tia que, após alguns colapsos mentais, foi internada pelos nazistas, que a teriam esterilizado e eutanasiado. Depois, mostra Barnert já adulto, trabalhando como pintor de murais ao estilo socialista na Alemanha Oriental, durante a Guerra Fria e, em seguida, já desertado para a Alemanha Ocidental tentando se estabelecer como artista na Academia de Belas-Artes de Dusseldorf, onde teve contato com vários outros nomes da pintura, escultura, colagem e outras expressões de sua época.

Mas há também uma reviravolta narrada pelo diretor, que envolve a vida pessoal e amorosa de Barnert, que é o ponto de colisão entre passado e futuro do artista. Richter, durante sua vida, viveu muitos romances, o que o fez ser comparado a Picasso, além da relevância artística, claro. Mas o envolvimento com Ellie, uma estudante de moda, o colocará cara a cara com o fantasma de sua infância, mostrando com a vida tem um humor ácido e surpreendente.

Mas Donnersmarck quer, sobretudo, encobrir com a biografia sua crítica aos extremismos políticos. Para ele, a vida de Richter, ou melhor, de Barnert, é um exemplo de como governos totalitários sufocam as expressões identitárias e artísticas. Primeiro, o nazismo quando tenta ridicularizar artistas judeus em uma exposição, depois, com a Alemanha Oriental que só permitia que seus artistas executassem obras ao estilo socialista.

Com uma fotografia de Caleb Deschanel e trilha sonora de Max Richter, ambas obras de arte à parte, o filme consegue impressionar com uma beleza estética e dramaticidade musical que expressam a intensidade emocional na dose certa para encantar e sensibilizar o público.


Filme: Nunca Deixe de Lembrar
Direção: Florian Henckel von Donnersmarck
Ano: 2018
Gênero: Drama/Romance/Biografia
Nota: 10/10