Filme angustiante e perturbador da Netflix é a experiência mais comovente e agressiva do cinema nos últimos anos Erik Aavatsmark / Netflix

Filme angustiante e perturbador da Netflix é a experiência mais comovente e agressiva do cinema nos últimos anos

Apesar das baixíssimas taxas de violência e criminalidade, o que verdadeiramente assombra países nórdicos são ataques terroristas. A Noruega, por exemplo, costuma não ter mais que algumas dezenas de assassinatos em todo país por ano, tendo chegado a pouco mais de 30 em 2020, segundo a organização Gun Police. Mas em 2022, um ataque a uma boate gay, executado por um extremista de direita de 22 anos, deixou três mortos e 21 pessoas feridas.

Este não foi o primeiro ataque promovido por ultradireitistas no país. No dia 22 de julho de 2011, um homem de 33 anos explodiu quase uma tonelada de bombas em frente a um prédio do governo e, depois, foi até um acampamento de jovens marxistas na Ilha de Utoya e matou vários adolescentes. Ao todo, 77 pessoas foram mortas nos dois ataques.

Os atentados de 2011, na Noruega, foram retratados em vários documentários e longas-metragens, sendo um deles o filme de Paul Greengrass, adaptado do livro “Um de Nós”, de Åsne Seierstad, “22 de Julho”. Com câmeras oniscientes, o filme é narrado de vários pontos de vista. Primeiro a lente acompanha o autor dos ataques, Anders Behring Breivik (Anders Danielsen Lie) ainda em uma fazenda de sua família fabricando as bombas e carregando a van com os explosivos que detonaria mais tarde no prédio do governo.

As câmeras também acompanham o primeiro-ministro Jens Stoltenberg (Ola G. Furuseth), enquanto é colocado sob proteção durante os ataques, depois decidindo sobre as demandas do terrorista e tentando liderar sob pressão em meio ao medo e caos. O filme ainda segue o advogado de defesa, Geir Lippestad (Jon Øigarden), enquanto tenta encontrar recursos para justificar as ações de seu cliente, recebe ameaças por telefone e tem a filha convidada a se retirar da escola por representá-lo judicialmente.

Mas o arco que mais nos identificamos é com o da família Hanssen, na qual os dois filhos, Viljar (Jonas Strand Gravli) e Torje (Isak Bakli Aglen), vivenciaram e sobreviveram ao terror do tiroteio na ilha. Viljar, que foi gravemente ferido com vários tiros, é ressuscitado após perder os batimentos por algumas vezes na maca, passa por cirurgias, é submetido a sessões de fisioterapia para se recuperar e depois tem de encarar seu algoz no tribunal.

Diante da possibilidade de Anders alegar esquizofrenia perante a Justiça, que poderá substituir sua prisão por internação, Viljar e sua família se dedicam, embora inicialmente relutantes, à missão de lutar para que isso não aconteça e o terrorista seja punido conforme o peso de suas ações. É compartilhando essas experiências da tragédia, da revolta e da reconstrução de suas vidas que o filme tem a oportunidade de se conectar com o público.

Greengrass tem um árduo trabalho em recriar o massacre sem parecer insensível ou glamourizar a tragédia. Apesar de uma representação brutal do pânico, ele evita dar closes em corpos e tem a elegância de não encharcar a tela de sangue, focando mais no terror psicológico vivenciado pelas vítimas em fuga do matador, que em um espetáculo de carnificina.

Das atuações, o maior destaque é Anders Danielsen Lie (de “A Pior Pessoa do Mundo”), que interpreta o assassino. Ele consegue transmitir o orgulho narcisista e a autoconsciência de suas ações de forma bastante crível, proporcionando aos espectadores a dose certa de revolta e senso de justiça. Desejamos que o réu seja punido com veemência. Não há pena, não há empatia e não há identificação com este homem com voz serena e olhar congelado que mata porque é um inimigo do multiculturalismo sem qualquer compaixão e humanidade. É apenas um soldado robotizado de uma seita cruel.


Filme: 22 de Julho
Direção: Paul Greengrass
Ano: 2018
Gênero: Policial/Drama/História
Nota: 8/10