Notas sobre catástrofes e banalidades
Um grande acontecimento ou tragédia demora para ser plenamente entendido. Mesmo as melhores cabeças de uma época podem ignorar um evento que, no futuro, se revela crucial.
Um grande acontecimento ou tragédia demora para ser plenamente entendido. Mesmo as melhores cabeças de uma época podem ignorar um evento que, no futuro, se revela crucial.
Por duas vezes, fiz algo aparentemente estranho: visitar cemitérios onde estão enterradas pessoas que admiro. Ainda bem que não estou sozinho nesse costume. Saiu agora no Brasil a coletânea de ensaios “Campo Santo”, do alemão W.G. Sebald, morto num acidente de carro em 2001. Ele relata na abertura do livro a ida ao cemitério da Ilha da Córsega, terra de Napoleão Bonaparte — nas próximas semanas, falarei mais sobre esse autor imperdível.
Escrever ficção ou poesia no Brasil sempre teve o caráter de uma “literatura de dois gumes”. O escritor se vê diante do fardo de enfrentar, ao mesmo tempo, o fato estético e o fato histórico, conforme apontou Antonio Candido. Algo diferente de outros lugares do mundo. Ninguém pensaria em ler Flaubert para explicar a França ou Goethe para entender o destino da Alemanha. Mas, por aqui e na América Latina, o artista é chamado a encarar, constantemente, a vida concreta e a “estilizar” a realidade em suas obras.
Nos últimos anos, três filmes brasileiros tocaram no tema da fuga, ou seja, a tentativa de recomeço longe do país de origem. São eles “Praia do Futuro”, “Alguma Coisa Assim” e “Ainda Temos a Imensidão da Noite” — todos disponíveis nas plataformas de streaming. Como notado por Tales Ab’Saber, o cinema da retomada a partir dos anos 1990 vem abordando “a inconsistência e a doença do espaço público e da cultura” no Brasil.
Na República Mundial das Letras, a Argentina tem um representante peso-pesado que inundou o mercado global a partir dos anos 1960. O nome virou uma marca, Jorge Luis Borges, dito o mais universal dos autores argentinos. Para Beatriz Sarlo, no entanto, o autor de “Ficções” e “O Aleph” só poderia ter surgido em seu país, por mais que falasse de coisas distantes no tempo e no espaço. O fato é que, ao mesmo tempo, a borgesmania dá orgulho e ofusca o restante da produção literária de uma cultura riquíssima.