Autor: André J. Gomes

Recado amoroso aos generais da banda, donos do mundo e reis da cocada

Recado amoroso aos generais da banda, donos do mundo e reis da cocada

Isso, criatura. Fure mesmo essa fila. Passe em colossal descaramento à frente de todos que aqui esperávamos a vez honestamente. Muito bem! Uma salva de palmas para o cidadão ali, tão certo de sua soberania sobre todos os outros. Bravo! E que bela buzina a sua, cavalheiro que afunda com generosidade a mão no volante e os pés no acelerador, alardeando a superioridade de sua máquina entre os outros carros tão lentos e sua mania de obedecer os limites de velocidade e outras regras da convivência civilizada.

O amor é a arte de se agarrar na vida

O amor é a arte de se agarrar na vida

Você pode fazer o que quiser com isso. Guarde, jogue, passe adiante, sorria, chore, avise a polícia, reflita, esqueça. Não importa. É urgente dizer que eu tenho amor por você. Tenho, sim. Não vai aqui nenhum pedido de reciprocidade, namoro, casamento. Nada disso. É só a minha necessidade teimosa de dividir o que eu sinto. Confesso. Eu até ensaiei no espelho para lhe fazer essa declaração com um certo jeito, mas resolvi ir direto. Sem rodeios e astúcias. Quem tem amor não perde tempo com bobagem. Eu amo e pronto. Amo! Tenho uma vontade grandiosa de trabalhar e construir e ter uma vida boa nesse mundo por onde você anda.

Um passarinho novo no céu das pequenas coisas

Um passarinho novo no céu das pequenas coisas

E lá estavam todos eles. As formigas e os sapos, as cobras e os grilos, os ciscos e os pequenos universos que pulsam dentro das gotas d´água. Todas as criaturas pequenas que vivem debaixo das pedras e as borboletas e os pássaros, todos os pássaros trabalhando acima das árvores e brincando de andar no chão. As rãs e os rios, as folhas pesadas de orvalho caindo dos galhos. Ficaram todos ali, à espera: um anjo simples, sem tempo nem jeito anunciara a chegada de passarinho novo ao céu das pequenas coisas.

Para entrar num novo dia como quem ingressa na vida

Para entrar num novo dia como quem ingressa na vida

Olha ele aí de novo. Aconteceu outra vez. Dá sempre. Vira e mexe, um pensamento esdrúxulo arromba nossa porta e invade a casa. Sabe como é isso, né? Não é um ímpeto legítimo, um impulso de realização, uma vontade real. É só um desejo vago, um sonho distante flertando com a realidade. É uma ideia boba que chega e se ajeita. Cada um tem a sua. De repente, o advogado se cansa da dureza de seus processos de todo dia e imagina ele mesmo tocando violão na praça, vivendo de trocados e favores. Nunca aprendeu música, mas é capaz de se ver assim, encantando uma audiência atenta na correria da rua com uma canção leve e linda que os eleve por um instante da lida ingrata.

Despedir-se é morrer um pouco. Vamos viver!

Despedir-se é morrer um pouco. Vamos viver!

Olha, alguém me disse que você vai embora. Que vai mudar de cidade, de país, de planeta e vem se despedir. Senti um gelo na barriga. Uma vontade de sair correndo, sabe? Um ímpeto de desaparecer e voltar depois, mais tarde, quando você já tiver partido. Não por nada. É que eu não gosto de despedidas. Não gosto, não. Não gosto mesmo desse negócio. Resisto a tudo. Jiló, muriçoca, bife duro, ar-condicionado quebrado, vizinho barulhento, internet lenta. Tudo! Menos despedida. Quem é que gosta? É, tem sempre um e outro que não se importam. Eu, não. Eu fujo, corro, me escondo. Assumo minha total e absoluta covardia. Eu sou um covarde de despedidas.