A história de amor mais arrebatadora do cinema nos últimos 20 anos está na Netflix John Curren / Warner Bros

A história de amor mais arrebatadora do cinema nos últimos 20 anos está na Netflix

Houve um tempo em que os romances eram o produto mais popular de Hollywood. Hoje, as comédias românticas estão por toda parte, mas os dramas românticos que valem a pena, capazes de sustentar uma história pela força do argumento de que o amor supera qualquer dificuldade, são raros. Quase sempre, esses dramas se ambientam em épocas passadas, justamente porque, em uma era onde o sexo é encontrado em todos os lugares, o amor perdeu muito de seu impacto. “O Despertar de Uma Paixão” mantém sua relevância ao compreender o sentimento amoroso como um grande professor, um tema que se destaca como poucos.

A adaptação do diretor John Curran do romance de Somerset Maugham é fiel ao cerne da trama. Kitty, interpretada por Naomi Watts, tem pais muito mais incomodados com sua condição de solteirona do que ela mesma. Filha mais velha de um cientista e de uma mulher que renunciou aos seus próprios sonhos para servir ao marido, Kitty vive sob a pressão das expectativas sociais da década de 1920. Seus pais querem para ela o mesmo destino que suas amigas, mas Kitty, já não tão jovem, não vê nada de escandaloso em não ter marido, mesmo quando sua irmã caçula já está casada. Contudo, quando sua mãe começa a fazer comentários maldosos também em público, o cerco se fecha rapidamente.

Walter Fane, interpretado por Edward Norton, sempre esteve ao redor de Kitty, como uma das bactérias que ele estuda, esperando uma oportunidade. O biólogo pragmático, mas apaixonado, sonha em se envolver com Kitty, mesmo que ela nunca tenha lhe dado esperanças. Norton imprime ao Dr. Fane a austeridade necessária ao papel, mas deixa espaço para um eventual amolecimento espiritual, o que acaba ocorrendo de forma natural, um dos milagres que só o amor pode proporcionar.

Logo, fica claro que ambos são vítimas das convenções sociais. Por motivos semelhantes, devem se submeter ao matrimônio, que se impõe com força crescente. Fane pede a mão de Kitty de maneira desajeitada, quase como uma ordem, devido à urgência de seu retorno a Xangai, onde pesquisa doenças epidêmicas, principalmente o cólera. Temendo a pressão da mãe, Kitty aceita e, de forma nada romântica, acabam se casando.

Curran, que também dirigiu “Tentação” (2004), estrelado por Naomi Watts, dá grandeza pictórica à obra de Maugham ao não pular uma linha do texto original. A carga filosófica de “O Despertar de Uma Paixão” é pesada. Questionando a necessidade do casamento, o roteiro de Ron Nyswaner sugere que duas almas infelizes sozinhas não se tornam menos melancólicas porque casadas; o matrimônio pode alterar a ordem de uma vida aparentemente tranquila, mas não pela força do sacramento em si. Para Kitty e Fane, que nunca tiveram nada em comum, a situação é ainda mais precária, especialmente quando se encontram isolados na China.

Em um cenário enigmático, a trilha sonora de Alexandre Desplat enfatiza a solidão dos protagonistas com notas secas de piano, trazendo à tona suas lembranças e fantasmas. Curran agrava a situação com a alusão ao ambiente hostil onde vivem, uma região miserável e esquecida, assolada por uma doença contagiosa sem cura conhecida. Em meio a esse contexto, Kitty conhece Charlie Townsend, um diplomata sedutor interpretado por Liev Schreiber. Envolvida com Townsend, Kitty vê suas ilusões se desmoronarem, levando a consequências duradouras.

Naomi Watts interpreta Kitty com uma marca de leviandade e inconsequência, manipulando Fane e Townsend como fantoches. Fane é um homem irresponsável que deveria saber que o casamento estava fadado ao fracasso, enquanto Townsend é um mulherengo incorrigível. Contudo, Kitty é a que mais se perde em seus descaminhos. A versão de Watts para a personagem interpretada por Greta Garbo em 1934 é ainda mais impetuosa, uma figura revestida de uma firmeza diabólica.

A acrimônia das existências de Kitty, Fane e, em menor proporção, Townsend, parece se estender eternamente. Kitty recebe uma chance de mudança que agarra com a energia restante, rejeitando uma reaproximação com o diplomata após a saída definitiva de Fane de sua vida. “O Despertar de Uma Paixão” poderia se tornar o filme definitivo sobre romances fracassados que levam ao renascimento de um espírito subjugado se a protagonista tivesse deixado o véu colorido para ostentar um véu branco, simbolizando um casamento mais feliz, como a freira de Diana Rigg em outro clássico.

A história se desenrola com uma riqueza de detalhes que captura a essência de um romance tradicional em meio a desafios modernos. A trilha sonora, a direção de arte e as performances se combinam para criar uma narrativa envolvente que permanece relevante, discutindo temas como amor, sacrifício e a busca por significado em meio a convenções sociais. “O Despertar de Uma Paixão” é uma obra que desafia o espectador a refletir sobre a complexidade das relações humanas e a inevitável luta entre desejo e dever.

Este filme destaca a habilidade de John Curran em adaptar obras literárias para o cinema, mantendo a integridade do material original enquanto explora as nuances dos personagens. A combinação de uma direção precisa, atuações memoráveis e uma narrativa bem estruturada faz de “O Despertar de Uma Paixão”, na Netflix, um filme que continua a ressoar com o público, proporcionando uma experiência cinematográfica rica e significativa.


Filme: O Despertar de Uma Paixão
Direção: John Curran
Ano: 2007
Gênero: Romance/Drama
Nota: 10/10