Filme belíssimo e comovente que acaba de chegar à Netflix e vai tocar cada cantinho do seu coração Divulgação / MM2 Entertainment

Filme belíssimo e comovente que acaba de chegar à Netflix e vai tocar cada cantinho do seu coração

As derrotas, grandes e pequenas, estão na vida de todo aquele que ousa levantar-se da cama e enfrentar o mundo, sem garantia alguma, nem mesmo de que vá retornar para casa. Somos constantemente desafiados a encontrar motivos que ratifiquem nossa crença no existir, ignorando o abatimento que embrutece e resseca, e assim mesmo, fica sempre um travo do amargor de melancolia, avançando do céu nebuloso da reflexão para o pântano da dúvida imanente, acerca de qualquer um e aonde quer que nos leve o pensamento.

“Meu Irmão e Eu”, a estreia na direção de Jin Ong, centra em duas figuras que se gostam um turbilhão de mágoas, pudores, enfermidades da alma e do corpo, preconceitos, inseguranças, fantasias plenas de lirismo e sonhos que derivam para atitudes equivocadas que os separam de uma vez para nunca mais. O diretor-roteirista situa seu filme na periferia de Kuala Lumpur, a capital da Malásia, sabendo que em qualquer parte do mundo histórias assim repetem-se num fluxo dramático e patético, protagonizadas por gente que só consegue viver nas sombras, e, pior, em frações dessa escuridão, como afirma Jin no prólogo, repetindo os versos do poeta romeno Marin Sorescu (1936-1996). 

Abang e Adik, os irmãos que emprestam seus nomes para o título original do longa, juntam todo o dinheiro que podem em suas respectivas caixas, sonhando com o dia em que terão acesso  ao registro geral, obrigatório para se abrir uma conta no banco, além de também facultar a matrícula em escolas e a admissão formal em grandes empresas. As dificuldades são ainda maiores para Abang, o mais velho, surdo-mudo, e esteio dessa pequena família em torno da qual o eixo da narrativa se move. O assombroso desempenho de Wu Kang-ren, vencedor do prêmio de Melhor Ator no 60º Golden Horse Awards, voltado a exaltar produções em língua chinesa, lança ao rosto do espectador o pedido de socorro de um homem vulnerável, a quem a vida negou até uma voz com que gritar.

Os olhares e os gestos de Wu, que em todas as cenas aparece esbaforido, suado, como se a um triz da completa exaustão, são uma evidente e incômoda antítese ao caçula, não menos desafortunado, mas um tanto gracioso, a ponto de defender um trocado como garoto de programa nos motéis ordinários da vizinhança. Se Abang encarna o desespero pueril de adultos literalmente sem pai nem mãe, o antimocinho de Jack Tan se encarrega de conferir ao enredo uma leveza natural, uma inconsequência brejeira. Até que uma tragédia os colhe.

Esse é o gancho de que Jin se vale para mencionar a busca por reconhecimento, não pelo Estado, mas pelo pai, que permanece como um fantasma na vida dos dois até o último lance, resolvido de modo abrupto e eficaz. Sem Abang, Adik talvez refaça seu caminho ao lado dessa outra figura masculina, dois estranhos cuja nova jornada pode fica a cargo da imaginação de quem assiste.


Filme: Meu Irmão e Eu
Direção: Jin Ong
Ano: 2023
Gêneros: Crime/Drama
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.