Filme que deixou Margot Robbie irreconhecível e a consagrou nos cinemas, na Netflix Divulgação / Neon

Filme que deixou Margot Robbie irreconhecível e a consagrou nos cinemas, na Netflix

Tonya Harding fez de sua vida um palco de êxitos e derrotas, saboreando e temendo cada passo. Cuidadosamente biografada em “Eu, Tonya”, a patinadora, um ícone esportivo das décadas de 1980 e 1990, passou sua existência tentando escapar de um ciclo de abusos e negligência iniciado na infância — primeiro com os pais e, mais tarde, em um casamento infeliz que a catapultou das páginas esportivas para as manchetes policiais internacionais.

Craig Gillespie tenta sintetizar o tormento de sua protagonista em um relato doloroso, repleto de reviravoltas e conflitos de uma mulher em busca de uma identidade própria, forçada a desviar-se dos golpes do destino, materializados na psicopatia materna e na brutalidade do primeiro casamento, em cenas que se sucedem como as ondas de um maremoto trágico que quase a submergiu para sempre.

Gillespie leva o espectador por um tour sombrio pela vida de Tonya, uma heroína que enfrentou desafios desconhecidos para a maioria das pessoas. Tonya, uma das atletas mais notáveis de sua época, ousou enfrentar os obstáculos que a separavam dos meros mortais, superando a indolência e as questões éticas, e vendo a abjeção como parte do jogo, o que não tardou a resultar em opróbrio, completando o ciclo e retornando às suas lamentáveis origens.

Desde uma infância traumática em Portland, Oregon, até a ascensão parcial e árdua ao panteão esportivo dos Estados Unidos, Harding é dissecada pelo roteiro de Steven Rogers, que inclui entrevistas imaginárias com a patinadora. O filme também retrata Jeff Gillooly, interpretado por Sebastian Stan, o primeiro de seus três maridos e uma figura central em sua breve e tumultuada carreira, tanto para o bem quanto para o mal; e, naturalmente, a figura central da narrativa, LaVona Fay Golden, a mãe, a agressora, a tirana, mas também a única que apostou no talento de Tonya.

Margot Robbie e Allison Janney protagonizam momentos de confronto e ternura agridoce ao longo das duas horas de filme, com a hostilidade entre mãe e filha se projetando da tela para o público. Robbie, que começava a despontar após “O Lobo de Wall Street” (2013) — onde chamou a atenção na crônica dos excessos do capitalismo predatório americano dirigida por Martin Scorsese —, e ainda distante do sucesso de “Barbie” (2023), uma espécie de epílogo involuntário da narrativa de Scorsese, disputa a atenção do público com a sempre impecável Janney.

No tempo restante, Gillespie pontua a narrativa com as participações de Tonya em competições obscuras, até nos levar ao Campeonato Nacional de Patinação Artística em Detroit, em 1994, momento que marca a descida ao inferno da atleta e da mulher, que nunca escapou da influência tóxica de LaVona, uma dinâmica que ressoa com temas contemporâneos no meio artístico brasileiro.

Assim, “Eu, Tonya”, na Netflix, explora não só a trajetória pessoal e esportiva de Harding, mas também as complexas relações familiares e os sacrifícios pessoais impostos pela busca da excelência. É um retrato visceral de uma mulher que, apesar de todas as adversidades, lutou para se afirmar em um mundo que muitas vezes a subestimou e a vilipendiou. Este filme não é apenas uma biografia; é uma análise profunda dos conflitos internos e externos que moldaram Tonya Harding, oferecendo uma visão nua e crua das forças que a impulsionaram e, eventualmente, a destruíram.


Filme: Eu, Tonya
Direção: Craig Gillespie
Ano: 2017
Gênero: Drama
Nota: 9/10