Desligue o cérebro e aproveite a comédia levinha com Owen Wilson e Glenn Close na Netflix Divulgação / Alcon Entertainment

Desligue o cérebro e aproveite a comédia levinha com Owen Wilson e Glenn Close na Netflix

A vida é mesmo um paradoxo misterioso, cheio de todas as reviravoltas que garantem o sobe-e-desce que atira-nos à luta pela sobrevivência, momento em que é urgente assumir uma postura mais agressiva diante dos outros, um dos tantos personagens que incorporamos em nosso teatro existencial. Pode ser difícil, muitas vezes quase impossível, mas sempre há um jeito qualquer de se reparar decisões erradas que, por terem resvalado nas vidas de outras pessoas, sedimentam-se e acabam por se constituir numa maldição para além deste plano. 

Uma figura nebulosa para Kyle e Peter Reynolds, os protagonistas de “Correndo Atrás de um Pai”, adeja como uma nuvem cinzenta e pesada na vida desses dois irmãos nada parecidos, cada qual ostentando com brio sua personalidade forte, até que o grande mistério de sua história fica incômodo demais. Lawrence Sher, responsável pela fotografia de filmes de Todd Phillips como “Coringa” (2019), e diretor de clipes de Dua Lipa e Kanye West, desafia-se num trabalho de fôlego, que reúne o experimentalismo com que conduz boa parte de sua carreira e o mainstream, definido pelo elenco de estrelas. Shertransforma o roteiro de Justin Malen numa sucessão de pequenas reviravoltas, umas críveis, outras nem tanto, conferindo ao enredo a dose certa de comédia e melodrama que o deixa tão original.

De repente, Kyle e Peter ficam obcecados pelo homem que teria vivido com sua mãe — e que, por óbvio, acreditam ter sido seu pai, mais este que o primeiro, é verdade. É por meio do personagem do ótimo Ed Helms que o diretor começa a descer à profundidade do mote central, à primeira vista uma tolice esquecível, mas a que Helms e Owen Wilson vão acrescentando camadas de um humor muito peculiar. Na pele do irmão mais velho, Wilson contrabalança a austeridade do caçula envergando ternos coloridos como o que usa no casamento da mãe, Helen, onde o imbróglio que justifica o longa aflora. 

Helen, a mãe solo de dois cinquentões bem problemáticos, a partida numa cornucópia de patranhas com as quais tenta explicar quem de fato é o pai biológico dos “garotos”, depois que Peter assiste a um episódio de “Lei e Ordem”, o seriado sobre delitos de solução quase impossível levado ao ar pela NBC desde 1999. 

Essa subtrama rende mais que o esperado, e Glenn Close reoxigena as vilãs de sua variada filmografia, como a Alex Forrest de “Atração Fatal” (1987), o thriller erótico de Adrian Lyne, ou mesmo Cruella de Vil, a matadora de cachorros de “Os 101 Dálmatas” (1996), de Stephen Herek, para sustentar a leviandade rosicler de Helen, uma legítima criatura da Nova York dos anos 1970 que empenhava três noites de sua semana na lendária Studio 54 dançando, bebendo e, bem, dando asas a outras loucuras. É esse o gancho de que Sher se vale para pôr em cena Terry Bradshaw, Ving Rhames e J.K. Simmons como prováveis pais de Kyle e Peter, encaixando também Christopher Walken como Walter Tinkler, o obstetra de araque que os teria trazido ao mundo.

A saída deus ex machina que Malenencontra para tirar alguns dos véus que insistem em se perdurar no decorrer dos 113 minutos é chamar, já no segundo ato, Katt Williams, que encarna o legítimo mochileiro das galáxias numa sequência que flerta com a sátira a clássicos do quilate de “Jornada nas Estrelas” (1966-1969), também da NBC, ou “Doctor Who” (1963-1989), exibido pela BBC. Oscilando do besteirol para a necessidade de defender posições sérias em debates tidos por obsoletos, “Correndo Atrás de um Pai” castiga os costumes com o deboche.  


Filme: Correndo Atrás de um Pai
Direção: Lawrence Sher
Ano: 2017
Gêneros: Comédia/Drama 
Nota: 8/10