Drama belíssimo e comovente na Netflix vai encher seu coração de esperança Divulgação / Blessed Filmes

Drama belíssimo e comovente na Netflix vai encher seu coração de esperança

No mundo ideal, famílias só começariam depois de observados alguns passos elementares. Duas pessoas solteiras, adultas, independentes e desarmadas se conheceriam, passariam dias em conversas tão ridículas quanto imprescindíveis, trocariam beijos, carícias, firmariam compromisso e, só então, pensariam em filhos — que talvez não viessem. Na vida como ela é, entretanto, o estado intermedeia o encontro daqueles que, por uma ou outra razão, cumpridas ou não essas etapas, não alcançam o sonho da maternidade e da paternidade, e, finalmente, um núcleo familiar nutrido por correntes de genuíno afeto, acima até mesmo do onipresente sangue, estaria pronto.

Com sensibilidade, “Lifemark” enquadra tópicos cada vez mais aparentes de relações íntimas que misturam pesares e prazeres que se alternam, às vezes os primeiros sobre estes, mesmo com a louvável tentativa de se colocar os pingos nos is numa conversa franca, aberta, em que as tantas partes desse enredo — principalmente as que até então permaneciam nos bastidores — expõem suas mágoas e tentam um jeito de se afirmar. Junto com os irmãos Alex e Stephen Kendrick, o diretor Kevin Peeples adapta uma história real de modo a frisar em seu roteiro a postura bastante civilizada de um rapaz que, quase duas décadas depois de adotado, resolve encontrar-se com os pais biológicos ao superar um evento desditoso, malgrado ninguém tivesse culpa. Experientes em contar essas histórias de descompasso entre gente que se ama sob uma perspectiva cristófila, os Kendrick reeditam aspectos já deslindados em “Quarto de Guerra” (2015), dirigido por Alex, carregando um pouco menos nas tintas do drama. Funciona, em alguma proporção. 

Não há muito a ser dito sobre “Lifemark”, a não ser encomiar o talento de Raphael Ruggero. David não tem quase nada que o distinga dos demais jovens adultos da sua faixa etária, naquele limbo entre o ensino médio e a faculdade. Enquanto não chega o ansiado momento de ir tratar da futura carreira, dedica-se a pequenas farras em que despenca com os amigos de ribanceiras a fim de ver quem tem o salto mais tecnicamente irretocável, travessuras que o melhor amigo Nate registra com a câmera do telefone.

A presença ostensiva do personagem de Justin Sterner é um dos grandes problemas do filme, contornado aqui e ali graças ao carisma de Ruggero, mas a insistência de se manter Sterner como o tipo meio dependente, invasivo, que não sai da aba do protagonista com a desculpa de querer captar algum lance da vida dele que possa atrair espectadores para seu perfil numa plataforma de vídeos cansa — e torna-se de fato um nítido incômodo, quiçá com implicações éticas, pouco adiante. Atleta de destaque no wrestling, uma modalidade de luta de contato, David começa a sentir fortes dores de cabeça, e chega a desfalecer ao fim de uma rodada no torneio estudantil. No hospital, investiga-se o caso e fica-se sabendo que uma malformação congênita leva o crânio a se atritar com o cérebro, é submetido a cirurgia. 

A incapacidade do diretor quanto a amarrar o argumento central às muitas subtramas enterra a boa promessa de uma narrativa emocional no que venha a respeitar ao perfazimento de famílias atípicas, e nem ao menos tem o condão de explicar qual o vínculo entre a enfermidade de David, sua decisão de viajar de Nova Orleans para Columbus, no Kentucky, para saber dos pais biológicos, e as famílias que cada um constituiu passado algum tempo. Mesmo a militância pró-vida, numa quadra da História em que o aborto é considerado por uns sabidos como a panaceia para os males da reprodução desassistida (e irresponsável), perde-se, e o que se tem ao termo de duas horas é uma massa amorfa de ótimas ideias em cenas semanticamente difusas. 


Filme: Lifemark 
Direção: Kevin Peeples 
Ano: 2022 
Gêneros: Drama/Documentário  
Nota: 7/10