O filme mais engraçado que você verá na Netflix Divulgação / Paramount Pictures

O filme mais engraçado que você verá na Netflix

A democracia não é a bala de prata que extermina todos os inúmeros males da convivência entre os homens, porém é a melhor forma de governo dada a ineficiência e o caráter bestial das outras que insistem em se perpetuar mundo afora. O pensamento de Winston Churchill (1874-1965), um dos estadistas mais dignos e competentes que a política já viu, reveste-se de ainda mais clareza quando se analisa sem paixão os intestinos de regimes autocráticos, uma fuzarca que junta homens cruéis, recursos naturais a perder de vista e propósitos escusos, o que faz Larry Charles em “O Ditador”, sátira cujos lances espalhafatosos  prestam-se justamente a tornar inescapável a reflexão sobre o disparate do poder absoluto seja lá em que circunstância.

Charles replica o sucesso de outras produções do gênero, a exemplo de “O Grande Ditador” (1940), dirigido por Charlie Chaplin (1889-1977), ou o cabeçudo “Bananas” (1971), de Woody Allen, mas, como pede o zeitgest, adiciona o componente da tecnologia na sedimentação desses regimes patéticos, capitaneados por machões caricatos, que precisam cultivar barbas hirsutas ou bigodes de três dedos de espessura para afirmar sua autoridade. Essa, aliás, é uma imagem que o roteirista-astro Sacha Baron Cohen explora com seus colaboradores, Alec Berg e David Mandel, levando a narrativa a uma cadência saborosamente vesana. 

O almirante-geral Aladeen de Cohen estica o quanto pode a corda da diplomacia impedindo a entrada de burocratas da AIEA, a autarquia das Nações Unidas responsável por fiscalizar o uso inteligente da energia atômica. Inteligência é um atributo de que Aladeen, o líder supremo de  Wadiya — a blague fica deveras engraçada com a pronúncia em português —, como a esmagadora maioria dos déspotas da História, não dispõe, além de ser um sujeito vaidoso, dado a fanfarronices e orgias com beldades como Megan Fox, além de Kim Kardashian, Oprah Winfrey e Arnold Schwarzenegger, pelo que se vê nas fotos com que recobre a parede de seu aposento íntimo.

Ninguém se atreve a contrariá-lo, sob pena de ser julgado e condenado ali mesmo, por meio de um gesto que se repete em várias ocasiões e acaba se transformando num cacoete bastante apropriado para sintetizar a personalidade indomável do monarca. Ainda no primeiro ato, o diretor começa a desenvolver o conflito principal da trama, a desavença furtiva entre Aladeen e Tahir, seu primeiro-ministro. Ben Kingsley imprime um pouco mais de credibilidade à bem-contada farsa de Charles, e é impossível não rir no momento em que se fica sabendo do plano para depor o sátrapa, fácil como deslizar uma lâmina em seu rosto peludo, e em seguida despachá-lo para Nova York. 

Aladeen tenta cravar os dentes na Grande Maçã, mas logo se dá conta de que viver num país livre é muito mais difícil para alguém que se habituou a ter todas as vontades satisfeitas por um séquito de bajuladores que, na verdade, apenas temem por sua integridade física. Em Little Wadiya, o bairro nova-iorquino onde se instalaram aqueles que havia mandado executar, ele se reencontra com Nadal, o chefe da missão nuclear de seu país, e é neste seu ex-subordinado, que teve de abandonar sua terra e viver no degredo na América, que ele precisa a aprender a confiar. Jason Mantzoukas rouba a cena na pele de um pequena ilha de sensatez em torno da loucura sem método que ainda envenena Aladeen, malgrado ainda seja um mero satélite do ditador, um leão sem dentes que ainda ruge alto. O mesmo se pode dizer de Zoey, a dona de um bufê vegetariano interpretada por Anna Faris, que tenta usar para reaver seu antigo posto e acaba se apaixonando. 

Com “O Ditador”, Sacha Baron Cohen principia a fechar o refrescante ciclo de espertos besteiróis sobre tiranias do Oriente Médio, iniciado por “Borat — O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América” (2006), levados à tela por Larry Charles, a que se segue “Borat: Fita de Cinema Seguinte” (2020), de Jason Woliner — sem mencionar “Brüno” (2009), também de Charles, que toca em outras feridas da pós-modernidade. A hipocrisia do politicamente correto não se cansa, a sanha por poder dos donos do mundo nunca arrefece, mas filmes como este deixam-nos com a esperança vã de que, algum dia, esses personagens sejam só caricaturas da ficção. 


Filme: O Ditador 
Direção: Larry Charles 
Ano: 2012 
Gênero: Comédia  
Nota: 8/10