O filme na Netflix sobre solidão, amadurecimento e redenção que vai fazer você acreditar em milagres Mike Kubeisy / Imagine Rights

O filme na Netflix sobre solidão, amadurecimento e redenção que vai fazer você acreditar em milagres

Diz a voz rouca das ruas, coberta de razão, que o homem inteligente aprende com seus erros — e os sábios, com os dos outros. Filmes baseados em histórias reais sempre encerram lições, para os dois grupos, e no caso de “I Can Only Imagine”, a história de uma tripla tragédia familiar culmina, década e meia mais tarde, no disco triplo de platina para a MercyMe, uma das bandas cristãs mais famosas do mundo do entretenimento musical.

Especializados nesse nicho, o de tramas que guardam revelações menos bombásticas que tocantes acerca de típicos perdedores que viram o jogo aos 49 do segundo tempo, os cineastas Jon e Andrew Erwin acompanham Bart Millard pelo caminho longo e tortuoso que separa uma infância marcada por negligência parental, maus-tratos, solidão e o óbvio desajuste junto a vizinhos e colegas de escola e uma brilhante carreira como um das celebridades mais badaladas do universo gospel, graças à canção que empresta o nome ao título do filme. Ao lado de Jon e o corroteirista Brent McCorkle, Millard relembra passagens tétricas de sua jornada até o sucesso, num relato corajoso sobre perseverança, fé e humildade, mas também ira, rancor e ódio, sentimentos que aproximam-no do espectador, cada vez mais encantado com o que o protagonista tem a dizer a respeito de sua vida extraordinária. 

Há um sem-fim de maneiras de se contar as tantas histórias de inadequação, de inconformidade com o vasto mundo que o cerca, com a austera vida que o devasta, com sua própria natureza, de que se esconde, que renega, da qual não pode fugir. Em maior ou menor intensidade, estamos todos — homens e mulheres; crianças e adultos; jovens e velhos — irremediavelmente presos na teia imensa que nos liga e torna-nos dependentes uns dos outros, até que movimentos contrários ao nosso desejo começam a agir com força cada vez mais incontrolável e atiram-nos aos limbos particulares aos quais nos apegamos.

O sentimento de fracasso é, sem sombra de dúvida, um dos venenos mais mortíferos para o vaidoso espírito do homem. Contudo, ao cabo de tantas desilusões, existem aqueles que simplesmente deixam de se importar, como se não fosse possível qualquer margem para avançar, como se a vida congelasse, não por um momento de desdita mais severa, mas para sempre, até que, como sempre sói acontecer, o destino arme uma de suas grandes (e maravilhosas) falsetas. 

Como sói acontecer, o elenco responde por boa parte da mágica de “I Can Only Imagine”. Os irmãos Erwin escolhem voltar a narrativa para 1985, quando, em Greenville, uma cidadezinha do Texas, Bart, aos treze anos, dá um trato no jardim de uma vizinha idosa por um punhado de dólares. Nesse segmento, o carisma de Brody Rose segura a audiência, fazendo bastante crível a agonia de Millard, que entra no carro com a mãe, Adele, de Tanya Clarke, rumo a uma colônia de férias para adolescentes cristãos e semanas depois, quando volta para casa, ela se foi, cansada das agressões do marido.

Os diretores esmiúçam com calma a participação nefasta de Arthur Wesley Millard Jr. (1942-1991) na vida da esposa e do filho mais velho, e aos poucos Rose sai de cena para que a performance segura de John Michael Finley conduza a história até o bom desfecho, momento em que, realizado, Millard celebra o casamento com Shannon, a amiga do acampamento vivida por Madeline Carroll — de quem passara um bom tempo afastado — e os prêmios conseguidos com “I Can Only Imagine”, gravada em 1999. Antes que tudo se desvanecesse para Arthur, que morria de um câncer de pâncreas inoperável, Millard conseguiu reconciliar-se com o pai e com aquela porção trevosa de seu passado. Porque há mesmo as coisas que nunca saberemos e as coisas que podemos imaginar. 


Filme: I Can Only Imagine 
Direção: Jon e Andrew Erwin 
Ano: 2018 
Gênero: Drama  
Nota: 8/10