Thriller de ação ignorado pelo público chegou à Netflix e vai te deixar sem fôlego por 116 minutos Divulgação / Sony Pictures Entertainment

Thriller de ação ignorado pelo público chegou à Netflix e vai te deixar sem fôlego por 116 minutos

Lisbeth Salander, a gótica de 26 anos que adorna seu corpo pequeno com piercings e desenhos na epiderme dá a impressão de ser uma moça sem nada de mais, a despeito de como se apresenta, e é justamente por aí que começa seu mistério. Muito antes, o uruguaio Fede Alvarez pinta Lisbeth como uma garotinha jogando xadrez com a irmã na abertura de “Millennium: A Garota na Teia de Aranha”, o encerramento das desventuras de uma anti-heroína tão anárquica que precisou de três atrizes para dar-lhe vida.

Em 2009, Noomi Rapace encarnou a hacker justiceira que se imbui de uma tarefa que vai se tornando maior que ela, a ponto de sentir que só pôde conhecer sua verdadeira essência depois de aceitar a encomenda que tira o pesado véu de um crime em família. Seja por ter sido o primeiro, seja pela contundência do mote — muito bem disposto em cenas de um noir agressivo na medida certa —, a verdade é que o talento de Rooney Mara não supera a compreensão vastíssima de Rapace, e o mesmo se pode dizer de Claire Foy, que se junta a essa trinca como se não tivesse nada melhor para fazer, quiçá esperando a deixa ideal que a faria dar o show que se assiste em “The Crown” (2016-2023) graças a sua composição plena de nuanças reveladoras da gélida Elizabeth 2ª (1926-2022).

O roteiro de Jay Basu e David Lagercrantz se arrasta em muitos pontos, sobretudo na transição do primeiro para o segundo ato, justo na hora em que o filme deveria estar em pleno voo. Em se considerando que Lagercrantz foi o escolhido pela família de Stieg Larsson (1954-2004), o autor da série literária, para arrematar lances finais do último livro e desenvolver novas histórias quando de sua morte, fulminado por um ataque cardíaco aos cinquenta anos em 9 de novembro de 2004, este é mesmo um grande problema.

Quanto mais dura se nos apresenta a vida, mais se pensa ser correto exigir que ela devolva tudo aquilo que se imagina ser um direito inalienável, cada vez mais amplo, mais sem controle e que se se crê válido para qualquer um, em especial para uns poucos felizardos que nascem sob dadas circunstâncias. Homens somos uma dessas categorias, a despeito da cor da pele, da classe social em que se situa, da idade ou da religião.

Nascer com um cromossomo de cada feitio, o primeiro X e Y o seguinte, continua a ser um salvo-conduto da biologia para que muitos sintam-se autorizados a cometer toda sorte de absurdidades, que, naturalmente, impactam a vida de muita gente, às vezes apenas de maneira superficial, mas também chegando às vias da agressão exacerbada e cruel, das torturas da alma e do corpo, do crime, da morte.

A sequência em que Lisbeth e a irmã, Camilla, estão em casa, numa sala escura transformada numa masmorra pela fotografia de Pedro Luque Briozzo, dá uma ideia da monstruosidade que vai tomar corpo instantes depois, e ainda que breves, as presenças de Beau Gadsdon e Carlotta von Falkenhayn são um excelente motivo para que o público se invista da aura de detetive e se ponha a fazer suas especulações quanto ao destino das duas meninas. Alvarez faz os movimentos exatos, conduzindo a história para um ambiente de terror em que a Lisbeth adulta de Foy vinga mulheres abusadas por companheiros, como ainda no começo do filme, decerto a sequência mais perturbadora. Porque não o diretor não consegue manter esse tom de desespero até o fim é o grande mistério.


Filme: Millennium: A Garota na Teia de Aranha
Direção: Fede Alvarez
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Crime 
Nota: 7/10