Filme alucinante com Adèle Exarchopoulos, na Netflix, é perfeito para relaxar e desligar o cérebro Gael Turpo / Netflix

Filme alucinante com Adèle Exarchopoulos, na Netflix, é perfeito para relaxar e desligar o cérebro

Mélanie Laurent segue firme na transição da carreira de atriz para a de diretora, já com alguns bons trabalhos no currículo, e em “As Ladras”, aproveita para assumir um compromisso com princípios e visões de mundo que o cinema abraça com força crescente — se com convicção, sensibilizado perante as demandas de estratos mais vulneráveis da sociedade, ou se temendo a ação ora orgânica, ora ensaiada de militantes, é outra conversa.

A diretora tenta corroborar sua tese quanto à existência de papéis relevantes para todo gênero de ator, e, claro, de atriz, colocando em cena três gerações de mulheres, ideia que passou a amadurecer durante a feitura de “O Baile das Loucas” (2021), sensação entre adolescentes na França. Em seu novo trabalho, Laurent faz questão de reafirmar uma espécie de pacto com quem assiste e consigo mesma, o de procurar o insólito onde quer que ele se esconda, e reproduz noções e técnicas de que já lançara mão de um jeito mais sóbrio no longa anterior.

Mulheres têm se sentido no dever de superar qualquer expectativa mais óbvia que alguém possa nutrir a seu respeito, para o bem e para o mal, fazendo com que o péssimo comportamento masculino seja muitas vezes um modelo que conseguem anular pela escandalosa puerilidade. Carole, a primeira gatuna a surgir na tela, vence uma região de gramíneas que batem no joelho em algum lugar do interior da Suíça, observada por Alex, que não presta-lhe toda a assistência necessária. Quando finalmente se encontram, Carole quer saber por que a colega entendeu de tentar resolver enroscos amorosos justo na hora do trabalho, o que pode implicar na morte das duas, mas logo se compadece da moça, congelada numa prostração sincera.

Laurent e Adèle Exarchopoulos funcionam muito bem juntas, sobretudo nesse primeiro contato do público com a história, adaptação dos quadrinhos de Jérôme Mulot, Florent Ruppert e Bastien Vives, lançadas no Brasil sob o título de “A Grande Odalisca” — título também da pintura a óleo pintada por Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867) em 1814. Carole está ansiosa por poder começar a usufruir da fortuna amealhada em duas décadas de rapinagem, mas vai esticando a corda enquanto as dores tão próprias do ofício ainda não a torturam, acrescidas, por evidente, do peso dos anos, assunto que a diretora trata de escamotear com alguma sutileza.

Exarchopoulos por seu turno é a tradução perfeita do viço da juventude, embarcando em cada aventura seduzida, por óbvio, pela real possibilidade de aposentar-se sem ter de contar as moedas — se for tão longe, naturalmente —, mas sempre à espera da dose extra de adrenalina em cada encomenda. Nisso tem a companhia de Sam, uma piloto de corrida que abandona um grande sonho por não suportar mais os desmandos da equipe de homens, e reencontra-se na quadrilha de Carole. Manon Bresch fecha o trio com a parcela de contenho diabólico que faltava, na transição para o terceiro ato, momento em que o bando aceita trabalhar para a Madrinha, a experimentada gângster vivida por Isabelle Adjani.

Replicando elementos vistos em produções a exemplo de “Bela Vingança” (2020), dirigido por Emerald Fennell, ou no ótimo “A Bailarina” (2023), de Lee Chung-Hyun, o roteiro de Laurent, Christophe Deslandes e Cédric Anger é certeiro no que não chega a vislumbrar de pronto. “As Ladras” aproveita-se de discussões sérias, entretendo e urdindo delicadas elucubrações filosóficas, um outro lado saboroso da diretora-roteirista.


Filme: As Ladras
Direção: Mélanie Laurent
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Comédia/Policial
Nota: 8/10