O delicioso e encantador filme com Al Pacino e Christopher Plummer que está na Netflix Divulgação / Imagem Filmes

O delicioso e encantador filme com Al Pacino e Christopher Plummer que está na Netflix

Passados mais de quarenta anos, Danny Collins absorveu à perfeição a aura de estrela do rock. Em 30 de junho de 1971, na assinatura do primeiro contrato com uma gravadora comercialmente imbatível, era um rapazote medroso, talvez lutando contra uma sensatez que nem ficava bem para alguém da sua idade. Decerto os anos trouxeram-lhe a autoconfiança que o elevaram ao topo das paradas por semanas consecutivas, mais de uma vez ao longo de uma carreira sólida, sem os tantos altos e baixos com que gente muito talentosa defronta-se de quando em quando — claro que os hectolitros de uísque escocês puro e o entra e sai de traficantes com pinos e mais pinos de cocaína ajudaram-no em seu processo de alhear-se da realidade e acreditar em si mesmo (quase sempre apenas em si mesmo), para não falar da horda de belas mulheres que o procuravam, não exatamente por identificarem nele um romântico inveterado.

Sem dúvida, o grande mérito de “Não Olhe para Trás” é desmistificar a ideia de que celebridades são seres dotados de charme além da humana compreensão; o que acontece é que esses indivíduos cheios de privilégios se convencem de que estão acima do bem e do mal graças ao dinheiro que, bem gerido, é capaz de sustentar gerações inteiras por décadas, sem que ninguém tenha nada com isso. Inspirado numa história real (ou quase), de acordo com o que se lê numa tela negra no prólogo, Dan Fogelman propõe uma jornada pelos lados mais nebulosos de um astro, que se flagra presa de um vazio existencial que jamais imaginara ser possível, até que uma carta misteriosa de outro vulto da música, de personalidade diametralmente contrária, põe abaixo suas poucas certezas.

Fogelman, conhecido pelos roteiros de “Amor a Toda Prova” (2011), dirigido por Glenn Ficarra e John Requa, e “Enrolados” (2010), de Nathan Greno e Byron Howard, lança mão de clichês eficazes em maior ou menor grau a fim de estabelecer a verdade suprema de que qualquer pessoa tem todas as oportunidades com que pode regalar-lhe o destino para reavaliar sua conduta e virar o leme rumo a praias menos selvagens. O que não significa tornar-se santo de uma hora para a outra.

Conquistar o mundo implica renúncias. Cada homem é um universo particular dotado de ideias próprias, vontades próprias, necessidades as mais íntimas, tantas expectativas acerca da vida, todos os sonhos do mundo — inclusive aqueles que sabe que jamais vai chegar a viver. Essa aspereza de tudo quanto envolve o que não se vê resvala na identidade mesma de cada pessoa; todos, ainda que uns mais que outros, somos confrontados com nossas fraquezas da aurora ao crepúsculo, do berço ao túmulo. Lidar com essas companhias involuntárias, nunca bem-vindas em sua onipresença sufocante, é um exercício metódico de profunda fé no existir, no que podemos fazer de verdadeiramente excepcional por nós mesmos. Busca-se desesperadamente por alguma beleza capaz de justificar o sofrimento todo que é a vida, mas nem sempre se entende que a vida transforma em beleza muito do que enxergamos como outra coisa qualquer. Mesmo o ridículo, o patético, o dramático da vida tem tanta beleza quanto o romance mais tolamente sereno, com a ressalva de que romance serenos podem nunca nos fazer ter o gosto do devaneio que aparta as nossas das vidas das demais criaturas. 

Danny é um fauno, um pecador, uma criatura endiabrada que não se submete a ninguém e não aceita que digam-lhe o que fazer. Bem, talvez o único a conseguir a proeza de ter dele laivos de sensatez é Frank Grubman, o empresário vivido por Christopher Plummer (1929-2021), não por acaso o sujeito mais velho que conhece. Fogelman tira todo o proveito que pode da ótima química entre Al Pacino e Plummer, alternando-se entre faces serenas e mais caóticas de seu personagem, da mesma forma como age Pacino com Danny — com a diferença que, para o encantador de multidões baixar a crista, só ganhando alguma coisa muito valiosa.

Esse tesouro é a carta que John Lennon (1940-1980) lhe escrevera e da qual ele nunca tomara conhecimento, o estímulo que não faltava para que procure o filho, Tom Donnelly. Bob Cannavale vai destrinchando as tragédias pequenas e grandes desse homem comum, em nada parecido com Danny, devendo uma hipoteca de duzentos mil dólares, uma esposa grávida de seis meses e morrendo de uma leucemia rara. A partir desse instante, “Não Olhe para Trás” assume um bem-vindo tom melodramático, que a habilidade de Cannavale e Pacino, nessa ordem, não deixa resvalar para o piegas. Um feito memorável em enredos assim.


Filme: Não Olhe para Trás
Direção: Dan Fogelman
Ano: 2015
Gêneros: Drama/Comédia/Musical 
Nota: 8/10