O último filme dirigido por Jodie Foster, com Julia Roberts e George Clooney, acaba de chegar na Netflix Divulgação / TriStar Pictures

O último filme dirigido por Jodie Foster, com Julia Roberts e George Clooney, acaba de chegar na Netflix

Todos sabemos que o dinheiro move o mundo, bem como também não é original pensar que um décimo da fortuna negociada numa única tarde na Bolsa de Nova York é o suficiente para alimentar comunidades inteiras do Zimbábue, o país mais pobre do mundo, por dias. Agora, imagine um programa de televisão especializado em dicas para pequenos e grandes investidores, sem o glacê pseudocientífico de Wall Street, talvez até mais confiável que os almofadinhas bem-vestidos da elite do mercado financeiro, alcançando milhões de espectadores diariamente, na mira de um cidadão comum, irado depois de ter aplicado cada níquel comprando ações cujo valor derrete da noite para o dia.

De quem é a culpa? Jodie Foster segue a trilha de um vilão que faz parte da vida de 100% dos seres humanos ao redor do globo, do berço ao túmulo, e em “Jogo do Dinheiro” expõe alguns dos podres de um reduto envenenado. O elenco de primeira até deixa o filme com cara de um “O Lobo de Wall Street” (2013), a deliciosa sátira de Martin Scorsese, bem menos lúbrico e muito mais cerebral, até que se possa afirmar com todas as letras que aqui o buraco é mais embaixo.

Um dos maiores defensores da economia de mercado e da livre concorrência, o filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790), homem dos Setecentos, o feérico Século das Luzes, época de revoluções lapidares nas artes, na ciência e na economia, se provou um visionário, alguém que enxergava o mundo e o compreendia muito além do que seu próprio tempo poderia permitir.

A humanidade conheceu logo do que era capaz o gênio de Smith, responsável por elaborar uma das teorias mais completas acerca do liberalismo econômico, doutrina que, por sua vez, serviu de base para a fundamentação do capitalismo moderno. Avesso a maiores interferências do Estado na condução da economia, o liberalismo prega também que os indivíduos — e, por extensão, os consumidores — são livres para escolher que empresas desejam solicitar, e o consumidor opta, evidentemente, por aquelas que lhe proporcionam um produto ou atividade laboral mais bem-acabada, sem comprometer o bolso.

Na busca por prestar melhores serviços, as empresas se autorregulam e se aprimoram, uma espécie de darwinismo vertido para o contexto mercantil. A disputa mercantil é imprescindível a fim de que se preservem as próprias corporações, tenham a dimensão que tiverem. No caso das grandes — e, em especial, das muito grandes —, a discussão tem a natureza de uma verdadeira guerra de titãs, com cabeças rolando para todos os lados.

O cuidadoso roteiro deAlan DiFiore, Jim Kouf e Jamie Linden detalha cada situação com rigor admirável, abusando de diálogos num humor cortante, decerto tentando preparar o espectador para a sequência de viradas ao cabo da longa introdução. Lee Gates — o que parece uma cínica alusão ao fundador da Microsoft —, o apresentador do “Mad Money”, a mais vistosa atração de uma emissora liberal ao estilo CNBC, é capaz de vender geladeira para esquimós, e sabendo disso, os anunciantes fazem a festa, perdendo apenas para os bancos, os fundos imobiliários e as agências de risco, que não têm de se esforçar tanto para levar no bico os menos afeitos ao economês.

Entre eles, está Kyle Budwell, um desempregado de 24 anos que perdeu todos os sessenta mil dólares que mantinha na poupança por causa de uma péssima recomendação de Gates, e pouco depois que Foster compõe o vasto perfil de seu protagonista, chega a hora de Jack O’Connell entrar em cena e capturar todas as atenções — o que já havia feito em “Invencível” (2014), dirigido por Angelina Jolie, e faria com igual potência criativa no arrebatador “Terra Selvagem” (2019), de Max Winkler —, ainda que haja muito espaço para o brilho costumeiro de Julia Roberts como Patty Fenn, a diretora de VT, e as entradas parcimoniosas, porém memoráveis, de Caitríona Balfe na pele de Diane Lester, a assessora de imprensa de Walt Camby, o CEO malandro vivido por Dominic West, que aplica o golpe de mestre em Kyle, Gates, Patty e Lester, nessa ordem. A diretora manipula esses quatro personagens de modo a levar seu filme para um desfecho surpreendente, onde quem assiste se flagra torcendo para um justiceiro que se julgava apto a enfrentar sozinho as feras do capitalismo selvagem. E todos sabemos que ninguém pode com elas.


Filme: Jogo do Dinheiro 
Direção: Jodie Foster
Ano: 2016
Gêneros: Thriller/Crime
Nota: 9/10