Último filme da franquia de terror mais aclamada dos últimos anos acaba de chegar à Netflix Divulgação / Universal Studios

Último filme da franquia de terror mais aclamada dos últimos anos acaba de chegar à Netflix

Movimentos ultranacionalistas à direita e à esquerda sempre foram uma pedra no sapato da América esclarecida, enquanto recrudescem sem freio nos confins do país mais rico do planeta (ao menos até o momento em que esta crítica ganha corpo), causando espécie às cabeças pensantes daquela grande nação e sendo acolhidos com fervor pela população mais simples, assombrada pelo espectro do desemprego, da violência e da precarização de serviços básicos como saúde e educação, muito longe de serem exemplos.

James DeMonaco ajudou a conferir identidade à “Uma Noite de Crime”, a franquia que tomou o pânico americano pelo diferente ao pé da letra e ao longo de oito anos destrinchou assuntos como imigração ilegal, aversão a estrangeiros, inépcia do poder constituído e a carnificina que advém desse processo sem medo de patrulhas de quaisquer ordens.

“Uma Noite de Crime: A Fronteira”, a produção que fecha uma série de cinco alegorias sobre o derruição moral de uma terra envenenada por ódio e preconceito, conta com o mexicano-americano Everardo Valerio Gout para reforçar a mensagem de DeMonaco e Gerard McMurray, diretor do quarto episódio, quanto a livrar os Estados Unidos da tentação fácil e mortal da autocracia, purificando-o da nuvem negra e nauseante da ignorância.

DeMonaco volta como roteirista do filme de Gout fazendo um apanhado das melhores sequências exibidas entre 2013 e 2021 — ampliadas também para os vinte episódios em duas fases levados ao ar pela USA Network —, mas conservando o frescor artístico mediante a escolha do elenco. Aqui não há mais espaço para deambulações filosóficas quanto ao equívoco das autoridades em propagar e incentivar o Dia do Expurgo, definido por lei encaminhada pelo presidente ao Congresso.

A iniciativa legalizou, em certo dia do ano, a prática impune de qualquer gênero de crime ao longo de doze horas, o que, por óbvio, degringolou no genocídio de pretos e latinos, particularmente os vindos das terras ao sul do rio Grande, os chicanos, por americanos wasp, brancos, anglo-saxões e protestantes, os puros-sangues.

Adela, empregada de um frigorífico, e seu marido Juan, vaqueiro num rancho perdido no coração do Texas, encarnam os super-heróis possíveis aqui, duas figuras trigueiras e marcadas pelo rigor do trabalho, com Ana de la Reguera e Tenoch Huerta cada vez mais cativantes à medida que o enredo avança, mormente depois da invasão de vândalos fantasiados de coelho, dispostos a tudo, não obstante o Expurgo já ter passado. Querendo salvar um bode do sacrifício iminente, Adela cai numa armadilha letal, é salva por Darius, de Sammi Rotibi, afro-americano e seu superior no frigorífico, que não tarda a ser sacrificado.

Desse ponto até a conclusão, “A Fronteira” fica estranhamente parecido com “Jogos Vorazes”, ainda muito mais elaborado em suas possibilidades de glosa sociológica. É difícil afirmar o que pode acontecer com os Estados Unidos nos próximos dez meses; contudo, o eleitor americano deveria lembrar-se deste bom terror ultrarrealista. A arte, mesmo quando absurda, salva. 


Filme: Uma Noite de Crime: A Fronteira
Direção: Everardo Valerio Gout
Ano: 2021
Gêneros: Ação/Terror
Nota: 8/10